Forças tradicionais da política e clãs regionais dominam o pleito, apesar da busca do eleitorado por caras novas
Mapeamento dos 26 estados e no Distrito Federal mostra que apenas 15 dentre mais de uma centena de pré-candidatos a governador podem ser considerados outsiders, e a maioria deles está em partidos pequenos, com poucos recursos e escasso tempo de TV. Assim como na eleição presidencial, o desejo dos eleitores de renovação está sendo frustrado pelos partidos. Governadores, ex-governadores, senadores e deputados federais dominam o pleito.
SÃO PAULO- As forças partidárias tradicionais ignoraram a demanda popular por renovação na política e vão oferecer aos eleitores este ano os candidatos de sempre a governador. A exemplo da disputa presidencial, os outsiders — nomes de fora do mundo político profissional e tradicional — serão minoria nas disputais estaduais e vocacionados a figurantes pelo baixo potencial competitivo. No pelotão dos favoritos sobram os políticos com mandato e, como sempre, representantes de oligarquias no poder há meio século.
Nos 26 estados e no Distrito Federal, somente 15 outsiders sobreviveram, até agora, à peneira do jogo políticoeleitoral e estão cotados para disputar uma cadeira de governador em meio a mais de uma centena de adversários. Eles podem até fazer algum barulho na campanha, mas a probabilidade de vitória é baixa pela falta de estrutura dos partidos que representam — em sua maioria, pequenos ou recém-criados, como a Rede ou o Novo.
Enquanto isso, o status quo se impõe nesta eleição, com velhos candidatos conhecidos do eleitorado. São, em sua maioria, deputados, senadores e ex-governadores. No Maranhão, por exemplo, a família Sarney voltará a disputar o governo com Roseana Sarney (PMDB), que já foi quatro vezes governadora. O mesmo fará o clã dos Barbalhos, no Pará, com a candidatura do ex-ministro da Integração Nacional Hélder Barbalho, filho do senador Jáder Barbalho. Em Alagoas, os Calheiros vão para a reeleição com Renan Filho, filho do senador Renan Calheiros, candidato à reeleição ao Senado.
CONTINUIDADE EM FAMÍLIA
Em alguns casos, a continuidade supera o parentesco e chega aos mínimos detalhes. Em Sergipe, o senador Antonio Carlos Valadares (PSB), que está na política há 51 anos, apresenta o filho, que tem o mesmo nome do pai e é deputado federal, para tentar a vaga de governador este ano. O pai começou a carreira como prefeito, em 1967, foi governador e hoje cumpre seu quarto mandato consecutivo no Senado. Valadares Filho também não é novato: exerce o terceiro mandato de deputado federal. Na Paraíba, será o irmão gêmeo do prefeito de João Pessoa, Luciano Cartaxo (PV), que tentará se eleger governador. Lucélio Cartaxo já foi superintendente da Companhia Brasileira de Transportes Urbanos (CBTU) e da Companhia Docas na Paraíba, além de ter disputado sem sucesso o Senado em 2014. Luciano e Lucélio são gêmeos idênticos, e é difícil distinguir um do outro.
Há casos de políticos que tentarão voltar ao cargo que já ocuparam. Em Roraima, José de Anchieta Júnior tentará retomar o comando do estado, que administrou entre 2007 e 2014. Vai disputar com Teresa Surita, prefeita de Boa Vista e ex-mulher do senador Romero Jucá, do PMDB, comandante da política no estado e candidato à reeleição no Senado.
Esse quadro, reunido pelo GLOBO na última semana, expõe a dificuldade de renovação da política estadual. A desistência do ex-ministro do Supremo Tribunal Federal Joaquim Barbosa de disputar a Presidência pelo PSB na terçafeira passada é apenas o caso mais evidente, mas não o único, do impasse a que chegou o sistema representativo no Brasil. A Operação Lava-Jato implodiu a credibilidade da classe política e revelou a falência do sistema vigente, mas nada disso foi suficiente para levar ao passo seguinte, o da renovação. Não apareceu até agora nenhum modelo capaz de minar a resistência dos que ainda se seguram no poder.
Para o cientista político do Insper Carlos Melo, esse é o principal empecilho, hoje, à renovação política:
— Há demanda por renovação, mas a questão é que as regras do nosso sistema político não foram renovadas. Isso afasta quem não é ligado à política, porque sabe que, se eleito, a probabilidade de ficar de mãos amarradas é grande.
Em efeito cascata, essa resistência desemboca na eleição presidencial, com candidatos como Geraldo Alckmin (PSDB), Ciro Gomes (PDT), Marina Silva (Rede), Álvaro Dias (Podemos) e Jair Bolsonaro (PSL), todos na vida política há muito tempo.
Outsiders com potencial de competição até ensaiaram entrar na disputa, como Barbosa e o apresentador Luciano Huck, mas recuaram.
Nos estados, juízes e militares estão em peso nesse grupo minoritário dos não políticos que disputarão a cadeira de governador, ao lado de empresários patrocinados pelo partido Novo.
Integrantes da reserva do Exército, por exemplo, são pré-candidatos no Distrito Federal, no Ceará e no Maranhão. No Mato Grosso do Sul e em Tocantins, são dois ex-juízes os outsiders previstos na corrida. No Acre, um policial tenta se viabilizar.
Entretanto, apenas dois são apoiados por partidos tradicionais. É o caso do general do Exército Guilherme Cals Theophilo, pré-candidato a governador no Ceará pelo PSDB e ex-integrante do comando que planejou a intervenção federal na segurança do Rio de Janeiro, e do ex-juiz Odilon de Oliveira (PDT), que ganhou notoriedade pelo combate ao narcotráfico em Mato Grosso do Sul.
Cientista político da FGV-Rio, Sérgio Praça vê o financiamento de campanha como outro importante entrave ao surgimento de outsiders. Para ele, a eleição de 2016, ao eleger alguns outsiders como prefeitos, criou a expectativa de que essa onda pudesse crescer em 2018, mas a questão financeira estaria freando essas iniciativas.
— Um fator limitador para os outsiders interessados em disputar algum cargo nesta eleição é o custo das campanhas. Uma campanha para governador é muito mais cara do que para prefeito. Então, para o outsider sair candidato este ano, ou ele é milionário para bancar a própria campanha ou tenta entrar para um partido grande, que tem mais recursos — avaliou Praça.
O problema é que nas legendas maiores a resistência aos novatos é grande, e isso explica, segundo Carlos Melo, a concentração dessas candidaturas em siglas pequenas, com poucos recursos e viabilidade eleitoral.
— Veja que as tentativas de outsiders que tivemos para essa eleição foram protagonizadas por partidos que estavam sem candidatos para apresentar. Não vi nenhum político profissional de um grande partido abrindo mão de uma candidatura em nome de algum outsider. Nas oligarquias partidárias, política tem fila — afirma o professor do Insper.
FUNDO PARTIDÁRIO BARRA NOVATOS
Essa será a primeira eleição geral sem o financiamento empresarial das campanhas — a estreia do modelo foi em 2016, nas disputas municipais. A previsão é que a maior parte dos gastos seja bancada com dinheiro público do fundo eleitoral, criado no ano passado e orçado em R$ 1,7 bilhão. Os partidos decidem como distribuir o dinheiro aos candidatos. Para o professor da FGV, o fundo acabou se tornando um dos maiores impeditivos para o lançamento de outsiders:
— A tendência é que a divisão desses recursos, que é feita pela cúpula dos partidos, beneficie quem já é político. Existe um paradoxo nesta eleição: há uma força muito contrária à renovação, que é o fundo eleitoral, e uma força muito forte a favor da renovação, que é a insatisfação popular. Se tivesse que dar um chute, eu diria que a força do dinheiro na campanha é bem significativa.
A renovação política, na opinião dos especialistas, leva tempo e depende de condições mínimas. A demanda popular pelo “novo” é uma delas, mas não é capaz de mudar o quadro sozinha.
— Precisamos entender que a renovação política não é automática pelo fato de a classe política estar desacreditada. Ainda não colocamos a política velha para fora. A política velha não está na cadeia. Vai levar tempo — diz Melo.
A eleição deste ano para o Legislativo poderá dar um passo nessa direção, embora tímido, na opinião de Praça.
— A tentativa de renovação no Legislativo vai ser mais forte do que para cargos do Executivo este ano. Agora, se ela vai se concretizar, ainda não dá para dizer — afirma o cientista político da FGV-Rio.