André Martins, protagonista pela sétima vez, fará agora um Jesus mais próximo do morador |
Uma comunidade gigante como a Rocinha é um prato cheio para reportagens de jornal. A maioria delas, no entanto, fala da violência e da precariedade ou toca nesses pontos, ainda que a premissa não seja abordá-los. Dos muitos temas que essa favela tem a propor, um dos que passam longe do tópico segurança é a Via Sacra da Rocinha, espetáculo que reconstitui os momentos finais de Jesus Cristo como homem. É o que diz o ator André Martins, que este ano interpreta o filho de Deus pela sétima vez.
A encenação é realizada há 26 anos. Para Martins, o mais importante é que o teatro sempre ajudou a reforçar a história de luta da Rocinha — construída na marra, num espaço onde os primeiros moradores não foram bem-vindos.
Em 2018, inclusive, a Roça Caçacultura — companhia de teatro por trás do espetáculo — queria homenagear a origem nordestina de uma grande parcela da comunidade, que a moldou à imagem de sua região natal. Mas mudou de ideia pelo momento atual da favela, tensionada pelas disputas recentes entre facções criminosas e por seus conflitos com a polícia. Insistir nas mazelas do dia a dia se tornou uma necessidade do grupo, que desta vez vai retratar a Paixão de Cristo como uma metáfora da “crucificação social”, na definição de Robson Melo, diretor artístico da peça pelo segundo ano.
— Essa crucificação está representada no abandono completo do morro por parte dos governos, que provoca não apenas a violência física, mas
outras formas de agressão, como as causadas pelos problemas de infraestrutura — diz.
O estigma que persegue os moradores inspirou uma nova postura do protagonista. O Jesus da via-crúcis local, que já foi negro e gay em outras edições, agora é representado como um homem ainda mais próximo da comunidade, alguém que se compadece da dor do outro não apenas por entendê-la, mas por compartilhar do sofrimento. Do alto de sua humanidade, o nazareno chega perto de quem assiste ao seu martírio e simbolicamente propõe uma união de forças para superar as adversidades.
— Já fui um Jesus mais guerreiro, militante. Também já fui um Jesus mais ponderado e místico. Não achava que conseguiria mais variações, mas Robson e eu começamos a lapidar esse outro lado de Cristo. As cenas eram feitas muito de cima para baixo, com o personagem no alto. Agora ele vai ter mais contato com o público — detalha André Martins. — Se a história de Jesus se passasse nos dias de hoje, ele seria de alguma periferia do mundo. Sentiria as necessidades do entorno.
Acostumados a percorrer um trajeto que beira três quilômetros de extensão, Martins e os demais atores da companhia desta vez não vão cumprir o itinerário que fazem pela Rocinha todos os anos, por causa do orçamento reduzido. Normalmente, a procissão tem início no Largo do Boiadeiro e vai até a Paróquia de Nossa Senhora da Boa Viagem, mas agora ficará restrita ao ponto de partida. Haverá quatro palcos no largo, dois em cada ponta, ficando o meio livre para o público, e a encenação deve durar pouco menos de duas horas. A Via Sacra será no dia 30, a Sexta-Feira Santa, a partir das 20h.a