Conta Drauzio Varella em Prisioneiras
(Companhia das Letras) que, assistiu no Carandiru aos primórdios da
criação do PCC no início dos anos 1990. “Foram dias de batalhas cruentas entre
os grupos que disputavam a supremacia na Casa de Detenção e, de forma mais
pretensiosa, no sistema prisional paulista”, testemunha.
E continua: “Numa segunda-feira
de 1994 ou 1995, recebi na enfermaria o corpo de um jovem com mais de trinta
facadas. O que me chamou a atenção não foi a brutalidade do ataque, prática usual
naqueles dias, mas um corte profundo que seccionara de cima para baixo a
musculatura do lado esquerdo do pescoço, de modo a expor a base do crânio e a
traqueia. Evidente que um golpe daquele fora desferido depois do corpo inerte.
Quando fiz essa observação, o funcionário a meu lado explicou:
- É a marca do PCC, o Primeiro Comando da Capital. Esses caras
ainda vão dar problema para nós.”
A facção foi criada em agosto de
1993 por oito detentos aprisionados no Anexo da Casa de Custódia de Taubaté, o
temido Piranhão, na época considerado um presídio de segurança máxima para onde
foram encaminhados os bandidos considerados mais perigosos e os indisciplinados
que provocavam tumultos nas cadeias.
No ano de 1993, depois de uma
partida de futebol disputada na quadra esportiva do Piranhão por aqueles que já
haviam saído do regime de isolamento, um grupo de oito presos batizou de
Comando da Capital o time em que jogavam.
Esse mesmo grupo formou depois o
Partido do Crime, nome substituído por Primeiro Comando da Capital, fundado com
a intenção declarada de “combater a opressão dentro do sistema prisional
paulista” e “vingar a morte dos 111 no massacres do Carandiru”, ocorrido no dia
2 de outubro de 1992. O acontecimento teve repercussão internacional, subverteu
a disciplina e afrouxou o controle do Estado nos presídios de São Paulo.
O Comando adotou o número 15.3.3,
uma referência à ordem numérica das letras P e C no alfabeto. O símbolo chinês
do yin-yang foi escolhido como logotipo da facção, por representar “um modo de
equilibrar o bem e o mal com sabedoria”. Seus membros assumiram pertencer “ao
lado certo da vida errada”.
Nos anos seguintes, os líderes
mais radicais, que defendiam ações violentas de confronto com o Estado e com os
inimigos, foram alijados da facção, acusados de delação e executados pelos
companheiros.
Em 2002, dez anos depois do
massacre de Carandiru, assumiram a liderança os mais “moderados”, que
atualmente impõem sua autoridade em todos os presídios femininos paulistas e em
mais de 90% dos masculinos. Segundo o Ministério Público de São Paulo, suas
raízes se espalham para as 27 unidades da federação e até para o Paraguai,
Bolívia, Colômbia, Argentina e Peru.
A busca pela supremacia e do
controle hegemônico do tráfico de drogas no território nacional fdoram as
causas das disputas com a fação Família do Norte, no Amazonas e em Roraima, e
com o Sindicato do Crime, no Rio Grande do Norte, que culminaram com as cenas
macabras de decapitações e esquartejamento que horrorizaram o mundo no fim de
2016 e início de 2017.
O poder
é exercido por uma hierarquia piramidal. Ao líder máximo, está subordinado um
colegiado de sete membros encarregados de funções específicas como
administração do tráfico, planejamento de ações, guarda de armamento, lavagem
de dinheiro, distribuição de lucros, contratação de advogados – chamados de
“gravatas” – ajuda material aos membros presos e seus familiares, contribuições
assistencialistas às comunidades em que atuam, implantação de normas do
Comando, julgamentos e punições por indisciplina, desvio de recursos ou traição.
À medida que o sistema prisional
se expandiu e as unidades ficaram superlotadas, o controle do Estado se tornou
menos rígido. As penitenciárias paulistas contraditoriamente, nunca viram
períodos de paz tão prolongados: nenhum rebelião em 2014, apenas duas em 2015 e
uma só em 2016, ainda assim muito menos violentas do que no passado
A sabedoria do Comando que impôs
sua autoridade à população carcerária de São Paulo e de outros Estados foi
haver entendido que o anseio mais fundamental de quem está preso não é a
liberdade, mas permanecer vivo. Esse entendimento levou à imposição levou a uma
ideologia que reprimiu a violência entre os detentos.