Páginas

domingo, 22 de janeiro de 2017

Dias Melhores - Projeto realiza oficinas que ensinam idosos a grafitar pelas ruas de Lisboa


DIOGO BERCITO
DE ENVIADO ESPECIAL A LISBOA
Idosas participam do Lata 65, workshop de grafite para maiores de 65 anos, em Lisboa

    Salvo o crochê, Maria Cruz, 62, não tinha contato algum com as artes. Mas, há dois anos, ela trocou as agulhas pelas latinhas de spray e pintou um muro em Lisboa.
    Cruz participava de uma oficina de grafite voltada a idosos portugueses. O projeto, chamado Lata 65, tem crescido em Portugal e já respinga no Brasil. Houve uma edição no Sesc Santana, em setembro de 2015.
    Ela conta à Folha que, à época, vinha reclamando de sua saúde. "Eu estava me sentindo longe de tudo, um bocadinho depressiva", afirma, mas alegrou-se ao dedicar-se ao desafio de cortar moldes e grafitar a cidade.
    "É complicado, porque eu estava trabalhando em um território desconhecido. Mas logo veio o entusiasmo e foi muito compensador", diz.
    A alegria que ela relata é um dos objetivos do projeto Lata 65, cofundado em 2012 pela arquiteta Lara Seixo.
    Outra das metas é devolver idosos ao espaço público. "As cidades estão bombardeadas pela arte urbana. É uma questão de inclusão, porque eles passam a entender o que é feito na cidade deles", diz Seixo.
    O Lata 65, que já teve 23 edições, é resultado de trabalhos anteriores de Seixo com artes visuais. Ela conta que, naqueles anos, notava um maior entusiasmo por parte dos idosos. "Decidi trabalhar com eles e me disseram que era uma loucura. Mas gostei muito do resultado."
    O projeto é financiado pela venda de merchandising, como camisetas. A própria logomarca do Lata 65 foi desenhada por uma participante, que passou a sair sozinha para pintar os muros e chegou a ser detida pela polícia. Ela morreu no ano passado.
    Essa grafiteira tardia era um dos exemplos dos resultados das oficinas de grafite, diz Seixo. "Ela falava que demos a ela uma nova razão para viver, após um derrame."
    O relato se repete entre os participantes ouvidos pela reportagem. "As diferentes experiências e o aprendizado são benéficos para os mais velhos, porque nos mantêm atualizados", diz Isabel Paço, 63, do Porto. "Nos sentimos felizes, ativos, vivos, úteis."
    O trabalho com idosos é, para Seixo, uma tarefa portanto urgente. Falta apoio a essa população, diz. A própria arquitetura os exclui, com prédios antigos sem elevador, em ladeiras íngremes.
    "Tenho medo de vir a ser tratada como alguns dos idosos que participam da minha oficina, que estão à espera de morrer. Isso é uma coisa que me toca", afirma. Apesar de as oficinas serem abertas a todos os idosos, a maior parte dos alunos são mulheres, diz Seixo.
    Um dos poucos homens a se interessar foi Eduardo Machado, 70, que depois de aposentado passou a experimentar cerâmica e aquarela.
    "Sempre admirei os grafites feitos por essa gente nova. Alguns fazem rabiscos a vida toda, mas outros se aperfeiçoam. Eu nunca tinha me imaginado assim, no meio da cidade, pintando uma parede. Aconteceu."