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terça-feira, 25 de outubro de 2016

O Globo - Compromisso com a vida

O projeto de lei 3.722/2012, que revoga o Estatuto do Desarmamento, é equivocadamente apresentado como um avanço do direito de proteção do cidadão     

     Após as eleições municipais, espera-se que nossos parlamentares retomem diferentes agendas no Congresso. Na segurança pública, é fundamental avançar em projetos que contribuam para a prevenção e redução da violência no país. Precisamos colocar um fim à naturalização de nossas 60 mil mortes violentas por ano.
     Entretanto, para consolidar uma sociedade mais segura para todos, os debates e propostas legislativas não podem ignorar as pesquisas sobre os impactos de políticas implementadas no Brasil e em outras partes do mundo.
Representantes de uma sociedade que escolhe a vida, e não a vitimização de seus cidadãos, não podem dar as costas para as evidências do que funciona e do que não funciona. Ignorar tais evidências é, na verdade, ignorar políticas capazes de prevenir e reduzir o inaceitável número de trajetórias interrompidas pela violência. Estamos dizimando nossa juventude, realidade que acarreta custos humanos, sociais e econômicos intoleráveis a nosso país.
Na Câmara dos Deputados, o projeto de lei 3.722/2012, que revoga o Estatuto do Desarmamento, é equivocadamente apresentado como um avanço do direito de proteção do cidadão. Trata-se, no entanto, de uma proposta que vai na contramão do conhecimento acumulado sobre a relação direta entre a circulação de armas de fogo e a maior prevalência de crimes violentos. Centenas de estudos brasileiros e internacionais confirmam a importância da regulação responsável de armas e munições.
Secretários de Segurança, comandantes e chefes de polícia de vários estados do Brasil já se posicionaram contrários à revogação do Estatuto do Desarmamento. Assim como os jovens que vivem nas regiões mais conflagradas de nossas cidades e as vítimas de violência doméstica, para as quais a presença de uma arma na equação da agressão está longe de trazer qualquer forma de segurança, todos estão sendo ignorados pelos defensores desta revogação.
Como cidadãs e cidadãos, trabalhamos pelo direito à vida e à segurança pública e esperamos de nossos representantes ações responsáveis e urgentes para revertermos este quadro de violência e vitimização. As frentes nas quais precisamos avançar são inúmeras.
No campo do controle de armas e munições, precisamos integrar os sistemas de gerenciamento do Exército e da Polícia Federal. Precisamos também aperfeiçoar a fiscalização de categorias como colecionadores, atiradores e das empresas de segurança privada. Nos estados, deve-se fortalecer o controle sobre o material bélico das forças de segurança e as capacidades de custódia e rastreamento das armas apreendidas, fundamentais para o aperfeiçoamento investigativo da polícia.
Armas não trazem mais segurança. Defender o fim do Estatuto do Desarmamento como política de segurança pública é, antes de tudo, uma irresponsabilidade. O que esperamos de nossos representantes no Congresso? Um real compromisso com uma produção legislativa baseada em evidências, e não nos interesses dos que lucram com as 45 mil mortes por armas de fogo a cada ano.

  • MICHELE DOS RAMOS, IVAN MARQUES, RENATO SÉRGIO DE LIMA E RUBEM CESAR FERNANDES Michele dos Ramos é pesquisadora do Instituto Igarapé, Ivan Marques é diretor-executivo do Instituto Sou da Paz, Renato Sérgio de Lima é vice-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e Rubem Cesar Fernandes é diretor executivo do Viva Rio.