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terça-feira, 12 de julho de 2016

A Justiça mais cara do mundo - JOSÉ CASADO

O GLOBO - 12/07


Custo da Justiça no Brasil é recorde. Brasileiros pagam muito por uma burocracia 
cuja característica é a lentidão, com 70% de congestionamento nos tribunais


Dias atrás, Ricardo Lewandowski, presidente do Supremo Tribunal Federal, atravessava o
restaurante quando ouviu uma voz feminina: — Ô, ministro! Ele parou, sorriu e estendeu a 
mão para a mulher na mesa: “Olá, como vai?” Ela respondeu ao gesto: “Parabéns. 
A sociedade brasileira congratula Vossa Excelência pelo julgamento do mensalão e 
por aumentar os próprios benefícios agora nesse momento social tão importante...” 
Lewandowski percebeu a ironia, manteve o sorriso, e seguiu.

A cena está na rede. Tem valor simbólico sobre a percepção coletiva do alto 
custo e da baixa eficiência da administração da Justiça, no debate sobre o 
tamanho da burocracia que a sociedade pode e/ou deseja sustentar.

O Brasil mantém a Justiça mais cara do planeta, comprovam os pesquisadores Luciano 
Da Ros, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, e Matthew M. Taylor, da 
American University, que mapeiam as mudanças no sistema judicial a partir da 
redemocratização do país.

O Poder Judiciário consome anualmente 1,3% do Produto Interno Bruto, ou 2,7% de tudo que 
é gasto pela União, pelos estados e municípios. Significa uma despesa anual de 
R$ 306,35 (US$ 91,2) no bolso de cada um dos 200 milhões de habitantes. Esse nível 
de gasto com o Judiciário só é encontrado na Suíça, cuja população é 25 vezes menor 
e a renda, cinco vezes maior.

O custo brasileiro aumenta quando somado o orçamento do Ministério Público, que 
não dá transparência às suas despesas. Vai a 1,8% do PIB, o equivalente a 
R$ 87 bilhões (US$ 26,3 bilhões). Supera o orçamento de metade dos estados. 
É o dobro das obras contratadas pelo governo federal, até abril, nas áreas de 
Transportes, Saneamento, Habitação e Urbanização.

Caro demais, ressaltam os pesquisadores, para quem o orçamento do Judiciário brasileiro 
é o mais alto por habitante no Ocidente. Essas instituições do Brasil custam 11 vezes mais 
que as da Espanha; dez vezes mais que na Argentina; nove vezes mais que nos 
EUA e Inglaterra; seis vezes mais que na Itália, na Colômbia e no Chile; quatro vezes 
mais que em Portugal, Alemanha e Venezuela. Coisa semelhante, só na 
Bósnia-Herzegovina e em El Salvador. Cada decisão judicial no Brasil (US$ 681,4) é, 
na média, 34% mais cara que na Itália (US$ 508,8).

Da Ros e Taylor continuam tentando entender por que os brasileiros pagam tão caro por 
um serviço judiciário cuja característica é a lentidão, onde dois em cada três processos 
remancham nos tribunais e alguns demoram mais que uma vida para julgamento.

Pelo ângulo estrito da despesa, verificaram o peso da enorme força de trabalho do 
sistema de justiça nacional. São 412.500 funcionários, o equivalente a 205 servidores por 
100 mil habitantes — são 25 por cada um dos 16.500 juízes. Proporcionalmente, o Brasil 
tem cinco vezes mais funcionários no Judiciário do que a Inglaterra, e quatro vezes acima 
do que têm Itália, Colômbia e Chile.

A pesquisa prossegue, com foco no histórico dessa burocracia, cujo custo para a sociedade 
se multiplica pela ineficiência. Em torno dela gravita uma indústria com 880 mil advogados 
registrados (300% mais que na década de 90) e 1.100 faculdades produzindo 
anualmente 95 mil novos bacharéis. 
Esse número de escolas é cinco vezes maior do que nos EUA, onde se formam 45 mil por ano.