Silvio Tendler desembarcou com sua equipe na capital francesa no dia 12 de novembro para gravar, na feira Paris Photo, entrevistas para a nova temporada de “Caçadores da alma”, série sobre fotografia que estreia no ano que vem no canal Curta!. Com a suspensão do evento após os atentados terroristas do dia 13, o cineasta levou sua câmera para a Place de la République e registrou a reação das pessoas nas ruas. As imagens serão vistas em “Sonhos interrompidos”. O projeto, que retrata a cena cultural e boêmia das décadas de 1960 e 1970 e fala dos ideais da geração do diretor, renderá outro programa, além de um longa-metragem.
Vizinhos. Tendler se inspirou no “Poema sujo”, do escritor Ferreira Gullar
Aos 65 anos, o documentarista, que contabiliza 60 filmes, entre longas, médias e curtas, realiza vários trabalhos de forma simultânea. Amanhã, Tendler estreia a série “Há muitas noites na noite”, na TV Brasil — mais um projeto que será exibido na TV antes de ganhar versão para o cinema. E também já está envolvido com a série (para o mesmo Curta!) e o longa baseado no livro “Alma imoral”, de Nilton Bonder — o trabalho não tem relação com a peça estrelada por Clarice Niskier inspirada na mesma obra.
— O documentário tem um tempo de maturação, diferentemente da ficção. É uma coisa para você usufruir, trabalhar cada fotograma. Você precisa pensar, buscar material e soluções viáveis. Por isso faço várias coisas simultaneamente — conta Tendler.
Inspirada no “Poema sujo”, livro escrito por Ferreira Gullar no período do exílio do autor na Argentina, em 1975, a série documental “Há muitas noites na noite” terá sete episódios, cada um com 26 minutos.
— Sou vizinho do Ferreira Gullar em Copacabana, e nos encontramos ao longo da vida. Sempre fui fascinado pelo “Poema sujo”. Essa ideia de fazer um filme sobre uma poesia era uma coisa que me perseguia — conta o cineasta, que está há cinco anos envolvido com o projeto e começa a rodar em janeiro a versão para o cinema de “Há muitas noites na noite”.
“TODO PÚBLICO ME INTERESSA” O programa entrelaça a trajetória pessoal e política de Ferreira Gullar a partir de 1964, quando o escritor passa a fazer parte do Centro Popular de Cultura (CPC). Fala sobre o exílio do poeta na União Soviética e em países da América Latina e recorda as dificuldades de Gullar longe da mulher e dos filhos.
O primeiro episódio da série aborda a filiação de Gullar ao Partido Comunista após o golpe de 1964. E relembra a fundação do Grupo Opinião, uma das formas de resistência artística ao regime, do qual participam nomes como Vianinha, Thereza Aragão, mulher de Gullar, Zé Keti, Nara Leão e Maria Bethânia.
Com poucas imagens da época — “uma pessoa que viveu na clandestinidade não costuma registrar seus passos” —, Tendler foi atrás de muita gente e contou ainda com um arquivo fotográfico. Ele ouviu intelectuais, artistas e amigos de Gullar como Agildo Ribeiro, Zelito Viana, Bethânia, Fagner, Alcione, Cacá Diegues, Cecil Thiré, Zuenir Ventura, entre outros. Alguns deles irão aparecer recitando o poema. O diretor separou os episódios 4, 5 e 6 para apresentar o “Poema sujo” por meio de uma leitura da obra.
O último programa fala do encontro entre Gullar e Vinicius de Moraes em Buenos Aires. Vinicius organizou uma leitura para amigos após ouvir o poema e gravou tudo em uma fita de áudio, que trouxe para o Brasil. O material se espalhou e resultou na publicação de “Poema sujo”, em 1976. O programa se encerra em 1978, ano em que Gullar retornou ao Brasil e foi interrogado e torturado pelo Dops, um dia depois de desembarcar no Rio.
Tendler conta que passou a criar mais para a TV após a drástica diminuição dos cinemas de rua — o que, segundo ele, resultou em menos espaço para a exibição de filmes políticos.
— Todo tipo de público me interessa. Crio para a TV, o cinema e a internet. “HÁ MUITAS NOITES NA NOITE” ONDE: TV Brasil QUANDO: No sábado, às 23h45m CLASSIFICAÇÃO: Livre