Entre tantas estatais que sobrevivem exclusivamente de recursos do Orçamento federal, uma delas nunca gerou um centavo de receita e sequer desenvolve política pública. Desde 2006, a Alcântara Cyclone Space (ACS) já consumiu nada menos que meio bilhão de reais (R$ 489,6 milhões) para o lançamento de um foguete ucraniano a partir de Alcântara (MA). O problema é que o lançamento não ocorrerá porque o governo desistiu do projeto e, hoje, apenas gasta dinheiro pagando encargos e salários dos diretores e funcionários da empresa, que se prepara para fechar.
Só no papel. Ilustração mostra como seria a torre de lançamento do Cyclone-4 no centro de Alcântara, no Maranhão
Somente este ano, a União desembolsou R$ 11,7 milhões, a título de participação do Brasil no capital da empresa. Na verdade, este dinheiro serve para manter a estrutura administrativa em pé, uma vez que os pagamentos ao principal fornecedor, o consórcio formado pelas empreiteiras Camargo Corrêa e Odebrecht para a construção do complexo espacial, já cessaram. Ficou para trás um esqueleto de concreto exposto no Centro de Lançamento de Alcântara, que pertence à Aeronáutica.
O projeto foi abortado justamente porque não havia garantia de que seria viável e rentável — a proposta era permitir à União lucrar com o lançamento comercial de satélites, serviço que tinha até preço: US$ 35 milhões, por lançamento. O lucro seria dividido igualmente entre Brasil e Ucrânia, da mesma forma que as despesas.
Porém, há três anos, conforme O GLOBO revelou, o Palácio do Planalto já sabia que o projeto dificilmente se viabilizaria. O diagnóstico foi feito a pedido da própria presidente Dilma Rousseff pelo então ministro de Ciência e Tecnologia, Marco Antônio Raupp, que detectou a escassez de mercado para o plano ucraniano-brasileiro.
Curiosamente, o maior desembolso de recursos para o programa (R$ 135 milhões) ocorreu em 2012, quando o sinal de alerta foi aceso. A partir de 2013, o orçamento do programa minguou, passando de R$ 73 milhões naquele ano aos R$ 11,7 milhões do orçamento corrente. Dois grupos de trabalho chegaram a ser criados, antes de o governo admitir o fracasso do projeto.
Mas o impacto orçamentário da aventura espacial ainda pode ser maior. Neste momento, o governo se prepara para uma batalha com a Ucrânia, que não aceita o rompimento unilateral do tratado, que foi denunciado (termo diplomático para rompimento) por meio de carta do ministro de Relações Exteriores, Mauro Vieira, ao embaixador da Ucrânia em Brasília. O país europeu aplicou, por obrigação contratual, o mesmo montante investido pelo Tesouro na empreitada. Caberia à Ucrânia a fabricação do foguete, cujo protótipo estaria quase pronto, restando, no entanto, a parte mais cara e complexa: a tecnológica, responsável efetivamente pelo lançamento de satélites em órbita.
Para não morrer com o prejuízo, o lado ucraniano já avisou que pretende lutar pelo ressarcimento dos investimentos já feitos e também pelos danos provocados pelo tempo perdido na parceria com o Brasil. A disputa chegaria a R$ 1 bilhão, de acordo com fontes do programa espacial. O governo brasileiro mantém sigilo absoluto sobre estas negociações, que ocorrem no âmbito do Ministério de Relações Exteriores e devem se estender até meados do ano que vem, quando o rompimento unilateral passa a ter efeito prático, de acordo com os termos do tratado.