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domingo, 20 de setembro de 2015

MEIO BILHÃO DE REAIS PARA UM FOGUETE QUE NÃO DECOLOU

Entre tantas estatais que sobrevivem exclusivamente de recursos do Orçamento federal, uma delas nunca gerou um centavo de receita e sequer desenvolve política pública. Desde 2006, a Alcântara Cyclone Space (ACS) já consumiu nada menos que meio bilhão de reais (R$ 489,6 milhões) para o lançamento de um foguete ucraniano a partir de Alcântara (MA). O problema é que o lançamento não ocorrerá porque o governo desistiu do projeto e, hoje, apenas gasta dinheiro pagando encargos e salários dos diretores e funcionários da empresa, que se prepara para fechar.
DIVULGAÇÃOSó no papel. Ilustração mostra como seria a torre de lançamento do Cyclone-4 no centro de Alcântara, no Maranhão
Somente este ano, a União desembolsou R$ 11,7 milhões, a título de participação do Brasil no capital da empresa. Na verdade, este dinheiro serve para manter a estrutura administrativa em pé, uma vez que os pagamentos ao principal fornecedor, o consórcio formado pelas empreiteiras Camargo Corrêa e Odebrecht para a construção do complexo espacial, já cessaram. Ficou para trás um esqueleto de concreto exposto no Centro de Lançamento de Alcântara, que pertence à Aeronáutica.
O projeto foi abortado justamente porque não havia garantia de que seria viável e rentável — a proposta era permitir à União lucrar com o lançamento comercial de satélites, serviço que tinha até preço: US$ 35 milhões, por lançamento. O lucro seria dividido igualmente entre Brasil e Ucrânia, da mesma forma que as despesas.
Porém, há três anos, conforme O GLOBO revelou, o Palácio do Planalto já sabia que o projeto dificilmente se viabilizaria. O diagnóstico foi feito a pedido da própria presidente Dilma Rousseff pelo então ministro de Ciência e Tecnologia, Marco Antônio Raupp, que detectou a escassez de mercado para o plano ucraniano-brasileiro.
Curiosamente, o maior desembolso de recursos para o programa (R$ 135 milhões) ocorreu em 2012, quando o sinal de alerta foi aceso. A partir de 2013, o orçamento do programa minguou, passando de R$ 73 milhões naquele ano aos R$ 11,7 milhões do orçamento corrente. Dois grupos de trabalho chegaram a ser criados, antes de o governo admitir o fracasso do projeto.
Mas o impacto orçamentário da aventura espacial ainda pode ser maior. Neste momento, o governo se prepara para uma batalha com a Ucrânia, que não aceita o rompimento unilateral do tratado, que foi denunciado (termo diplomático para rompimento) por meio de carta do ministro de Relações Exteriores, Mauro Vieira, ao embaixador da Ucrânia em Brasília. O país europeu aplicou, por obrigação contratual, o mesmo montante investido pelo Tesouro na empreitada. Caberia à Ucrânia a fabricação do foguete, cujo protótipo estaria quase pronto, restando, no entanto, a parte mais cara e complexa: a tecnológica, responsável efetivamente pelo lançamento de satélites em órbita.
Para não morrer com o prejuízo, o lado ucraniano já avisou que pretende lutar pelo ressarcimento dos investimentos já feitos e também pelos danos provocados pelo tempo perdido na parceria com o Brasil. A disputa chegaria a R$ 1 bilhão, de acordo com fontes do programa espacial. O governo brasileiro mantém sigilo absoluto sobre estas negociações, que ocorrem no âmbito do Ministério de Relações Exteriores e devem se estender até meados do ano que vem, quando o rompimento unilateral passa a ter efeito prático, de acordo com os termos do tratado.
Procurada, a ACS diz que quem responde pelo assunto é o Ministério de Ciência e Tecnologia. Indagada, a pasta se limita a informar que “um grupo de trabalho está sendo formado para tratar da liquidação da Alcântara Cyclone Space”.