Fernando Rocha Brant nasceu em Caldas, no Sul de Minas, em 9 de outubro de 1946. Era filho do juiz Moacyr Brant e da dona de casa Yolanda Brant. Aos 5 anos, ele se mudou com a família para Diamantina, que inspirou clássicos como Beco do Mota, Paisagem da janela e os temas do espetáculo de dança Maria, Maria. Aos 10, chegou a BH, onde construiu sua carreira.
Na capital, estudou no Grupo Barão do Rio Branco, no Colégio Arnaldo e no Colégio Estadual Central. A BH tranquila, com a garotada brincando nas ruas, marcou a obra do compositor – exemplo disso é Bola de meia, bola de gude ou a antológica Saudades dos aviões da Panair, com seus bondes e motorneiros.
O Estadual Central fez a cabeça de Fernando nos anos 1960, marcados pela efervescência política. “Comecei a ler desbragadamente”, revelou em depoimento ao site do Museu Clube da Esquina. Freguês diário da Biblioteca Pública Estadual, na Praça da Liberdade, o rapazinho se apaixonou por Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, João Cabral de Melo Neto, Fernando Pessoa, García Lorca, Guimarães Rosa e Graciliano Ramos. Virou cinéfilo, tomou contato com Fellini e Orson Welles. O Estadual, literalmente, deu livros, régua, compasso e versos aos futuro compositor, assim como as rodas boêmias de BH. Um de seus professores era o poeta Affonso Romano de Sant’Anna.
Por volta de 1965, Milton Nascimento se mudou para São Paulo, determinado a seguir a carreira artística. Encontrava-se com Brant e Borges de 15 em 15 dias – todo mundo viajando de ônibus nos fins de semana. Milton havia composto Pai grande e Morro velho, que chamaram a atenção. A cantora Elis Regina ficou de olho nos mineiros. Em 1967, Bituca mostrou uma tristonha melodia a Brant. E pediu: “Queria que você fizesse a letra pra ela”. Em depoimento, o amigo revelou sua reação: “Não mexo com isso, não sei, nunca fiz”. Era coisa para o Marcinho Borges, alegou.
Famoso por sua obstinação, Bituca não desistiu. Propôs o tema: um caixeiro-viajante que passava por uma cidade, namorava por lá, mudava-se para outra e ia deixando amores em seu rastro. Fernando teve outra ideia: cantar o drama de alguém que parte e deixa o outro desesperado. Assim nasceu Travessia, influenciada também por Guimarães Rosa. A parceria não venceu o Festival Internacional da Canção (FIC), no Rio de Janeiro, em 1967. Travessia ficou em segundo lugar, mas conquistou o Brasil e se tornou um clássico.
A ditadura imposta pelos militares em 1964 se acirrou com a edição do Ato Institucional nº 5, em 1968. Um dos alvos da censura era a MPB e seus jovens artistas. A casa da família Brant, no Bairro Funcionários, virou uma espécie de “trincheira” de compositores e músicos, assim como o lar dos Borges, em Santa Tereza. Milton se hospedava lá, assim como o letrista e produtor fluminense Ronaldo Bastos.
No fim dos anos 1960, BH viu nascer o movimento musical que marcou a cultura brasileira: o Clube da Esquina. Milton, Fernando, Ronaldo, Márcio e Lô Borges, o jovem montes-clarense Beto Guedes, Toninho Horta e o três-pontano Wagner Tiso souberam mesclar samba, toada, cantochão, jazz e rock. Aquelas sofisticadas harmonias até hoje deslumbram o mundo. Em 1970, Milton chamou a atenção com o disco marcado por guitarras e, ao mesmo tempo, pelo canto do Brasil profundo. Fernando Brant assinava a letra de Para Lennon e McCartney, parceria com Lô e Márcio Borges – conexão poética com o pop internacional. Aqui é o país do futebol, parceria com Milton, já trazia o Fernando engajado politicamente, que falava do Brasil vazio nas tardes de domingo, de olho no futebol e esquecido das agruras do cotidiano – e da política...
Enquanto Fernando trabalhava em BH, a turma passou uma temporada em Mar Azul, no litoral fluminense, onde nasceu o repertório do disco Clube da Esquina, álbum duplo que contou com uma infinidade de talentosos “sócios”: Robertinho Silva, Nelson Angelo, Danilo Caymmi, Joyce, Nivaldo Ornelas, Novelli e Luiz Alves, além da experiente Alaíde Costa. Lançado em 1972, foi tão impactante para a cultura brasileira quanto o Tropicalismo.
Caetano Veloso destacou o papel do movimento mineiro. “Sem apresentar ruptura com as conquistas da bossa-nova, exibindo especialmente uma continuidade em relação ao samba-jazz carioca, Milton sugeriu uma fusão que – partindo de premissas muito outras e de uma perspectiva brasileira – confluía com a fusion inaugurada por Miles Davis. Essa fusão brasileira desconcertou e apaixonou os próprios seguidores da fusion americana”, escreveu o baiano no prefácio do livro Os sonhos não envelhecem, de Márcio Borges.
No disco seguinte, Milagre dos peixes, lançado em 1973, Fernando Brant criou lindas metáforas para falar de seu Brasil amordaçado. Com seu lirismo, a faixa-título, assinada por ele e Milton, driblou a censura: “E eu apenas sou/ um a mais/ um a mais/ a falar desta dor/ a nossa dor”. Nas dezenas de discos que viriam a seguir – entre eles os clássicos Minas, Gerais e Clube da Esquina 2 –, Brant se consolidou como o maior letrista do cancioneiro miltoniano.
Sua poesia sempre caiu no gosto do povo. Canção da América (“Amigo é coisa/ pra se guardar”), Maria, Maria (“E a estranha mania de ter fé na vida”), Ponta de areia, Nos bailes da vida (“Todo artista tem de estar aonde o povo está”), Raça (“Lá vem a força/ lá vem a magia”) e Encontros e despedidas são alguns exemplos da profunda conexão de Brant com a sua gente.
O engajamento político daquele jovem forjado nos anos 1960 nunca esmoreceu. Com suas canções, Brant militou na campanha das Diretas-já, apoiou a cruzada do mineiro Tancredo Neves para restaurar a democracia, defendeu o direito do brasileiro à cidadania, celebrou a negritude. Também lutou arduamente por seu ofício, batalhando pelos direitos autorais. Integrou a associação Amar e dirigiu a União Brasileira dos Compositores (UBC). Militante da palavra, foi cronista do caderno EM Cultura deste Estado de Minas até o ano passado. O livro Clube dos gambás (Record) reuniu alguns textos publicados no EM.
Casado com Leise Brant, o compositor deixa as filhas Izabel e Ana Luiza, o filho do coração, Diógenes, e dois netos. Milhares de fãs ficaram órfãos.