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quinta-feira, 30 de outubro de 2014

Maranhãozinho - De Josimar, eleitores não lembram nem o número


Dona Maria do Nascimento: carvão e roça de juquira ajudam Bolsa Família

Henrique Bóis

Maria Edinilson Lopes do Nascimento, 54 anos, não sabe ler nem escreve seu nome. Tem vaga noção de números e documentos, entre eles o título de eleitor. No dia 5 de outubro, Maria saiu de casa acompanhada do neto para votar. “Não me lembro do número”, responde sobre a indagação para quem votou. “Foi meu neto de 13 anos que apertou o botão”, confessa a ilicitude. 
Maria do Nascimento é moradora de Maranhãozinho, município distante 232 km da capital, que vinte anos depois de criado gerou um fenômeno eleitoral jamais imaginável: Josimar de Maranhãozinho. Nome próprio inspirado numa clássica alusão à figura de linguagem em campanhas eleitorais. Josimar Cunha Rodrigues (PR), natural de Várzea Grande (CE), foi eleito deputado estadual depois de ter sido prefeito do município no oeste do Maranhão.
É mais que provável Maria ter sido uma dos 99. 252 eleitores que votaram para deputado estadual em Josimar de Maranhãozinho, número 22.000 no TRE-MA, campeão de votos para a Assembleia Legislativa do Maranhão nas eleições estaduais deste ano. Maranhãozinho tem apenas 6.817 eleitores aptos a exercer o direito do voto. No primeiro turno, a presidenta Dilma Rousseff recebeu 83,14% dos votos disputando com Aécio Neves (PSDB) e Marina Silva (PSB), segunda colocada com 8,41% dos votos válidos.

Obra de quase R$ 1 mi se apagou na memória da população e das contas do governo
Com quase 15 mil habitantes, próximo à fronteira com o estado do Pará, Maranhãozinho, um paradoxo da gramática que sintetiza a realidade do estado, é um dos campeões de carência no estado.  Por outro lado, o desperdício ou desvio de recursos está na porta de entrada e saída do município.  Exemplo disso são os R$ 994.897,96 oriundos do Ministério do Turismo para construção dos portais de entrada da cidade. A obra que deveria ser iniciada em 30 de dezembro de 2011. Não teve início, nem fim.

A casa onde mora Maria Nascimento, na rua da BR (oficialmente Avenida Luiz Rocha), fica do lado oposto e a poucos metros de distância das casas de Josimar e do atual prefeito Auricélio, ex-motorista e vizinho conjugado do ex-prefeito. Embora modesta, a residência está acima do aspecto medonho de mais de 400 mil moradias no Maranhão.
Residências do ex-prefeito e deputado eleito e do atual prefeito: condomínio do poder

Enquanto na fachada da casa do deputado eleito ainda tremulam bandeiras de campanha e banners estampados com sua sorridente figura, a placa fixa ao lado da modesta moradia de Maria Nascimento anuncia a venda de carvão ao custo de R$ 13 o saco. Maria diz ter visto poucas vezes o deputado eleito, ex-prefeito do município.
“A de Josimar tá gastando mais de 30 milhões”, ironizou o presidente do Tribunal de Contas do Estado do Maranhão, Edmar Cutrim, em conversa telefônica gravada ilicitamente pela govenador Roseana Sarney (PMDB), dias antes do primeiro turno das eleições. Em linguagem tosca e corriqueira no submundo, Cutrim se referia aos superlativos gastos de campanha do ex-prefeito de Maranhãozinho. 
Os números em Maranhãozinho são grandes para pequenas obras. A construção de uma praça na sede do município, outro convênio com o Ministério do Turismo, no valor de R$ 1,4 milhão, foi iniciada em junho deste ano, em plena copa do mundo. O prazo de execução se estende até julho do próximo ano.
A placa anuncia obra iniciada na Copa de 2014

A previsão e gastos do deputado eleitor era de R$ 5 milhões, valor acima do patrimônio declarado à Receita Federal do empresário (!): um pouco acima de R$ 6 milhões. Todas essas cifras soam estranhas. São aumentativos para um mundo zinho que Maria compartilha com os poucos vizinhos numa cidade pacata – em dez meses deste ano não houve registro de um único assassinato -, mas sem perspectiva na margem da BR – 316. Nem por isso a viatura da PM economiza gasolina com rondas ostensivas principalmente durante ensolaradas manhãs.
Muitos dos quase cem mil eleitores de Josimar de Maranhãozinho desconhecem sua trajetória política. Mas conhecido pelas festas que promove na região, regada a muito forró e farra, Josimar necessita apagar o passado. Como legislador terá, no mínimo, contato imediato com a ilegalidade do nepotismo, gravado em bronze no prédio do terminal rodoviário do município, inaugurada no apagar das luzes da sua administração. Além de agradecer com veemência à Hidraelo pelos serviços realizados entre 2005 e 2012, período de sua gestão, Josimar deixou o nome da secretária municipal de obras, Maria Josenilda Cunha Rodrigues, aferroado à parede do prédio.
 
Viatura da PM circula numa ronda diurna em Maranhãozinho
Realidade das Marias
 “Meu marido é roçadeiro de juquira”, brinca Maria. O sustento mesmo advém do Bolsa Família que ela afirma ser de R$ 226,00. “Tem gente que ganha até 400. Eu não sei como é isso”, diz a maranhãozinhense, numa licenciosidade ao gentílico, já que Maria é natural de Colônia, município de Igarapé Grande.
O cadastro é do filho, David Anderson, 17 anos, fora da sala de aula desde o ano passado. “Ele vai com meu marido pra roça”, revela a mãe de duas filhas, ambas com cadastro no CadUnico, do Ministério do Desenvolvimento Social. Maria sonha com a aposentadoria do marido, entrevado pelo trabalho e quase incapaz de angariar o sustento da casa.
As despesas correntes ficam por conta da assistência. Assim é com o oftalmologista que dá consulta de graça, mas vende o óculo. Daí aumentar a dificuldade em Maria do Nascimento identificar números.
A vizinha, Maria Edilene Linhares do Nascimento, que diz estar inscrita no Projovem e perceber bolsa de R$ 30 por mês, padece do mesmo mal. Matriculada na Unidade Integrada Henrique de La Roque, aos 18 anos, Maria Edilene está na 8ª série. No município existe uma única escola de ensino médio: a Gardênia.