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domingo, 16 de março de 2014

Paga o justo pelo baderneiro - FERREIRA GULLAR

Essas pessoas já se deram conta de que o policial é gente como nós, com mulher, filhos e tudo mais?
    A polícia não goza de muito prestígio na opinião pública brasileira. E as razões são muitas, sendo uma delas a venalidade de muitos policiais --e não apenas de soldados rasos e cabos-- que se valem da autoridade que o Estado lhes atribui para chantagear e tirar vantagens. Eles se vendem, para falar claro.
    Sucede que isso não ocorre só com os policiais. Outro dia mesmo, a imprensa noticiava a falcatrua que funcionários da prefeitura paulistana faziam, valendo-se do fato de terem a função de fiscalizar o pagamento do ISS. E há o mensalão, há o mensalinho, etc. etc.
    Mas voltemos à polícia. Do mesmo modo que a existência de corruptos numa instituição não significa que todos ali sejam corruptos, também há nas corporações policiais muita gente correta, e essa gente é a maioria. Fora isso, devemos lembrar que a polícia é uma instituição imprescindível à sociedade e, se é ruim com ela, impossível sem ela.
    Vou dar o exemplo de um conhecido meu que tinha horror à polícia, e com razão, porque foi preso e maltratado por policiais durante a ditadura militar. Pois bem, sucedeu que, num fim de semana, quando ele e a mulher voltaram do sítio, encontraram o apartamento saqueado: os ladrões haviam levado quase tudo.
    Ficaram perplexos. O que fazer? Não havia outra coisa a fazer, senão chamar a polícia. Foi o que fizeram. E não é que a polícia prendeu os ladrões e recuperou quase tudo o que eles haviam levado? Claro, nem sempre a polícia é eficiente mas, se não se recorre a ela, vai recorrer a quem?
    É isso aí. Há um momento em que a polícia resolve. O policial não é policial porque lhe deu na telha seguir essa profissão; a polícia foi criada pela sociedade porque, sem ela, o convívio humano se tornaria inviável. Na verdade, ela existe porque existe a lei, que é a garantia dos cidadãos, impede que fulano invada sua casa, roube seus bens e até mate você. Pode ser que não ocorra, mas, quem o fizer, será preso, processado e punido. Se não for punido, a culpa não é da polícia.
    Já imaginou uma cidade sem polícia? Lembra das favelas cariocas, antes da polícia pacificadora? Meia dúzia de bandidos, armados e cruéis, faziam ali o que queriam, apropriavam-se das residências alheias, estupravam as mocinhas e impunham sobre todos os moradores a lei do cão. Com as UPPs, isso acabou.
    Por que então tanta gente é contra a polícia? Após as manifestações de junho de 2013, quando centenas de milhares de pessoas saíram às ruas para protestar contra governantes e políticos corruptos e incompetentes, grupos de baderneiros se aproveitaram da situação para praticar vandalismo: quebraram agências bancárias, saquearam lojas, queimaram bancas de jornal.
    A polícia teve que intervir, mas o vandalismo não parou. Centenas de baderneiros foram presos pela polícia mas, horas depois, estavam soltos, porque a lei não permite mantê-los presos. Resultado, as pessoas que protestavam contra os maus políticos deixaram de sair às ruas porque as passeatas se transformaram em batalhas entre policiais e vândalos. Mas sempre que alguém é chamado a opinar sobre esses fatos, ainda que não apoie os baderneiros, critica a polícia, afirmando que é violenta e despreparada para lidar com tais manifestações.
    Acho que já é hora de perguntar a essas pessoas se já se deram conta de que o policial é gente como nós, tem mulher, filhos e não gosta de ser agredido com pedras, rojões e canos de ferro. E tampouco quer morrer. Por falar nisso, nesses últimos dois anos, aqui no Rio, dez policiais de UPPs foram mortos por bandidos.
    O cara se faz policial porque necessita ganhar um salário, sustentar a família. E nisso arrisca a própria vida. No caso das manifestações de rua, a polícia porta armas não letais, e tem que usá-las. Ou deve sair correndo quando os vândalos passam a agredi-la? E essa agressividade cresce a cada dia.
    Mas pega bem ser contra a polícia. Até o ministro Gilberto Carvalho, da Secretaria da Presidência da República, outro dia, tomou o partido de manifestantes contra os policiais, embora 20 deles tenham sido espancados e feridos. Se não tomarmos jeito, os baderneiros vão ganhar essa guerra.