Maranhão critica divulgação de vídeo e 'selvageria' de presos
Em nota, gestão Roseana Sarney afirma que veiculação de imagens reforça ação criminosa em penitenciária
Nas cenas gravadas no presídio de Pedrinhas, detentos comemoram a decapitação de rivais e brincam com cabeças
O governo do Maranhão classificou ontem como "um ato de completa selvageria" as imagens da decapitação de presos durante uma rebelião no Complexo Penitenciário de Pedrinhas, em São Luís.
A gestão Roseana Sarney (PMDB) também criticou a divulgação do vídeo, veiculado ontem pela Folha.
"Divulgar esse tipo de gravação é repudiante, pois só corrobora com uma ação no mínimo criminosa, com apelo sensacionalista e que fere todos os preceitos dos direitos humanos e as leis de proteção ao cidadão e à família [dos detentos mortos], que se vê novamente diante de uma exposição brutal", disse o governo, em posicionamento assinado pela Secretaria Estadual de Comunicação.
Segundo a pasta, o repúdio citado na nota se refere "tanto à Folha quanto a quem compartilhou [as imagens], de uma forma geral".
O governo afirmou ainda que o Serviço da Inteligência da Polícia Civil investiga a origem dos vídeos e os responsáveis por imagens de Pedrinhas distribuídas na internet.
No material divulgado ontem, filmado pelos próprios detentos com um celular, os presos mostram em detalhes três rivais decapitados.
Diante da câmera, os detentos comemoram as mortes e se divertem exibindo as cabeças cortadas.
As imagens, gravadas durante rebelião em 17 de dezembro, foram enviadas à Folhapelo Sindicato dos Servidores do Sistema Penitenciário do Estado do Maranhão.
CRISE
Superlotado, com 1.700 vagas e 2.200 presos, o complexo de Pedrinhas registrou 62 mortes desde o ano passado.
Do local, segundo o governo, partiram ordens para atacar ônibus e delegacias da capital maranhense nos últimos dias. Numa das ações, na sexta, Ana Clara Santos Sousa, 6, teve 95% do corpo queimado. A menina morreu anteontem.
O governo diz que os atentados foram ordenados em retaliação à ocupação do complexo pela Polícia Militar, no final de dezembro.
A situação levou órgãos como a OEA (Organização dos Estados Americanos), a Procuradoria-Geral da República e o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) a cobrarem do Estado uma solução para o presídio.
Diante da pressão, a gestão Roseana Sarney aceitou a oferta do governo federal de levar presos perigosos de Pedrinhas para cadeias federais. De acordo com o Ministério da Justiça, 22 detentos já foram transferidos.
Ontem, o responsável pelas prisões do Maranhão minimizou a eficácia da medida, afirmando que o detento pode voltar "pior".
"[O preso] volta mais perigoso, se achando o máximo. Historicamente não tem sido muito bom esse negócio de transferir", disse o secretário de Justiça e Administração Penitenciária, Sebastião Uchoa, à rádio Bandeirantes.
Para ele, as transferências devem ser provisórias, porque o governo está construindo um presídio de segurança máxima para abrigar os presos de maior periculosidade.
"Concluído nosso presídio aqui, vamos pegar tudo de volta, porque nós temos que cuidar do que é nosso."
Em relatório encaminhado na segunda-feira ao procurador-geral da República, Rodrigo Janot, a governadora afirmou ter detalhado investimentos de R$ 131 milhões para construção e manutenção de presídios.
'Estado deve retomar o controle', diz ministra
DE BRASÍLIA
A ministra Maria do Rosário (Direitos Humanos) afirmou ontem que cabe ao governo do Maranhão gerenciar e comandar a solução dos problemas nos presídios do Estado. "É preciso retomar o controle", afirmou.
"O governo federal está à disposição como sempre esteve, mas o gerenciamento do problema precisa ser comandado pelo Estado."
Segundo ela, há uma guerra declarada dentro das prisões maranhenses.
As rivalidades são entre facções criminosas de presos da capital e do interior do Estado e até entre membros do mesmo grupo.
A ministra disse que não conseguiu assistir ao vídeo divulgado ontem pela Folha no qual presos do complexo de Pedrinhas filmam em detalhes três rivais decapitados.
"Não pude ver, já vi as fotografias. São terríveis. Precisamos agir diante disso", disse. Segundo ela, o Ministério da Justiça tratará com o Estado sobre as medidas possíveis.
REPASSE FEDERAL
O governo do Maranhão afirma que está investindo em obras, reformas e equipamentos do sistema prisional.
O Estado cobra ainda do Ministério da Justiça repasse de cerca de R$ 20 milhões para construir duas cadeias, cancelado em junho de 2013 apesar das exigências do Depen (Departamento Penitenciário Nacional), vinculado à pasta, terem sido atendidas.
Em resposta, o ministério afirma que o dinheiro "foi recolhido por inexecução da obra no prazo de 18 meses".
Segundo a pasta, "os projetos apresentados não foram aprovados pela área técnica".
O governo federal divulgou ontem que entre 2003 e 2013 investiu cerca de R$ 55 milhões na construção de sete unidades e na melhoria do sistema prisional maranhense.
'É barbárie como eu nunca havia visto', diz diretora de ONG
DE SÃO PAULO
"É uma barbárie como eu nunca havia visto", disse ontem Maria Laura Canineu, diretora da Humans Right Watch Brasil, sobre o vídeo em que presos do presídio de Pedrinhas, no Maranhão, comemoram a decapitação de detentos rivais.
Para a entidade de defesa dos direitos humanos, que atua em mais de 90 países, a situação é agravada pela recusa do poder público em encarar um problema crônico.
"É preciso que o poder público retome o controle do presídio para a garantia do Estado de direito e segurança dos detentos."
A Humans Right Watch sugere que as orientações da Comissão Interamericana de Direitos Humanos sejam cumpridas. Entre elas está um mutirão judicial para rever caso a caso a condição dos detentos e, assim, atenuar a superlotação de Pedrinhas.
Outra entidade mundial, a Anistia Internacional disse que vê com preocupação a violência em Pedrinhas e a falta de coordenação entre os órgãos públicos.
"É inaceitável que uma situação como esta se prolongue por tanto tempo sem nenhuma atitude efetiva das autoridades responsáveis."
Também ontem, três ONGs de defesa dos direitos humanos enviaram carta ao procurador-geral da República, Rodrigo Janot, pedindo intervenção federal em Pedrinhas.
Cobram ainda que apuração de crimes no presídio, onde 62 detentos foram mortos, passe para o governo federal.
O documento é assinado pela Sociedade Maranhense de Direitos Humanos, Conectas e Justiça Global.
FUNÇÃO SOCIAL
Ao comentar o vídeo e a crise no Maranhão, o sociólogo da USP Álvaro Gullo disse que se perdeu no Brasil a noção de que a prisão tem função social.
"Administrador de presídios pelo país tende a acreditar que deve aumentar o sofrimento do detento, causar-lhe maior dor possível. Isso acaba com função de ressocialização do presídio", diz.
Para o também sociólogo Luís Flávio Sapori, da PUC-Minas, o Maranhão vive um processo acentuado de tomada do controle prisional pelos próprios presos.
Após transferência preso volta pior, diz secretário
DE SÃO PAULO
Em meio à crise na segurança pública do Maranhão, o responsável pelas prisões do Estado minimizou ontem a eficácia da transferência de presos para cadeias federais.
"[O preso] volta mais perigoso, se achando o máximo. Historicamente não tem sido muito bom esse negócio de transferir", disse o secretário de Justiça e Administração Penitenciária, Sebastião Uchoa, à rádio Bandeirantes.
O governo Roseana Sarney (PMDB) aceitou a oferta de vagas em presídios federais feita pelo MJ (Ministério da Justiça), para que presos perigosos deixem o Complexo Penitenciário de Pedrinhas, em São Luís. A pasta informou ontem que 22 detentos já foram transferidos.
O complexo teve 62 mortes de presos desde 2013. De lá, diz o governo, saíram ordens para os ataques que na semana passada deixaram cinco feridos, entre eles uma menina de seis anos, que morreu.
Segundo o MJ, novas vagas estão sendo disponibilizadas para os envolvidos nos atentados, que segundo o governo estadual seriam retaliação à ocupação do complexo pela Polícia Militar, no final de dezembro passado.
REPASSE
O governo maranhense reclama que o MJ cancelou em junho de 2013 o repasse de cerca de R$ 20 milhões para construir duas cadeias no Estado, apesar de ter atendido a todas as exigências do Depen (Departamento Penitenciário Nacional), vinculado à pasta.
Em resposta, o MJ afirma que o dinheiro "foi recolhido por inexecução da obra no prazo de 18 meses". "Isso ocorreu porque os projetos apresentados não foram aprovados pela área técnica", disse a pasta.