A crise do sistema penitenciário cria uma panela de pressão sujeita a explosões de barbárie cada vez mais frequentes, com um limite inimaginável de atrocidades
Em 2008 e 2009, pico de uma crise em seu sistema penitenciário, o Espírito Santo amontoava presos até em contêineres, em razão da falta de vagas em celas convencionais. Desde então, o governo implantou uma política centrada em melhoria da infraestrutura das unidades prisionais, capacitação de agentes penitenciários e ressocialização, da qual resultou uma drástica redução do déficit. Ainda há grandes demandas nas prisões, mas o exemplo capixaba mostra que há caminhos para enfrentar o terrível problema das cadeias do país.
Ali houve uma exceção. A regra, infelizmente, é Pedrinhas, cujas imagens de detentos trucidados espantaram o mundo. A barbárie no presídio maranhense voltou a chamar a atenção do país para dois crônicos aspectos das suas masmorras: o prisioneiro é visto pela sociedade como um pária, sujeito a tratamento desumano, sem chances de regeneração, membro de uma população de esquecidos que superlota presídios e vive ao sabor do humor das quadrilhas que dominam as celas. Como decorrência dessa visão, esse submundo só é lembrado quando há explosões de violência como a de Pedrinhas, reações previsíveis alimentadas pela inapetência do Estado em resolver as demandas (dos presos e do sistema em si) e por uma estrutura dominada pelo medo e pela corrupção.
Há ainda um terceiro aspecto, que transcende o sistema penitenciário. Assim como o tráfico de drogas, as prisões turbinam a criminalidade para fora das paredes dos presídios. Refratárias a ações de correição, por insuficientes ou inexistentes, os presídios transformaram-se em “universidades” do banditismo. Sujeitos à promiscuidade com presos de alta periculosidade, detentos que cumprem penas por crimes menos graves não raro acabam se bandeando de vez para a marginalidade — por pressões internas, por falta de perspectiva de reinserção social ou simplesmente para preservar a vida. A diferença em relação ao comércio de drogas é que, neste caso, já há ações em curso de combate às quadrilhas (no Rio, as UPPs são um exemplo), ao passo que, nas penitenciárias, o poder de vida ou morte é exercido pelas facções que as dominam em aberto desafio ao Estado.
Ações como os mutirões do Conselho Nacional de Justiça para esvaziar prisões, dando liberdade a presos que já a merecem, devem ser retomadas com urgência. Numa estrutura com um déficit de 207 mil vagas para uma população de 500 mil presos, agrava-se ainda mais o problema por inoperância administrativa ou gerencial. Disso são exemplos a existência de 217 mil detentos nos presídios sem sentença condenatória, ou o acúmulo, no caixa da União, de uma verba de R$ 1 bilhão, que deveria ser usada na construção de novas unidades prisionais.
União e estados precisam tratar com iniciativas concretas a questão penitenciária, uma panela de pressão com espasmos como o de Pedrinhas, e sujeita a explosões de barbárie mais frequentes, até um limite inimaginável de atrocidades. O poder público não pode continuar se omitindo.