ANDRÉ BARCINSKIESPECIAL PARA A FOLHA
Nenhum popstar do Brasil --talvez do mundo-- superou dificuldades físicas tão brutais quanto Nelson Ned.
Num mercado pop em que a aparência muita vezes importa mais que o talento, Ned, com seu pouco mais de um metro de altura e o corpo fragilizado pela displasia espondiloepifisária, foi um dos maiores ídolos românticos do Brasil."Eu sou um milagre", costumava dizer o cantor.
Nenhum brasileiro cantou para tanta gente no exterior. Ned se apresentava em estádios --não teatros, estádios mesmo-- na Colômbia, República Dominicana, Venezuela e no México. Foram duas vezes no Madison Square Garden e quatro no Carnegie Hall, em Nova York.
Quando o escritor colombiano Gabriel Garcia Márquez visitou o Brasil, em 1981, Chico Buarque perguntou: "Se sua literatura fosse música, que tipo de música seria?". "Um bolero cantado por Nelson Ned", afirmou o Nobel.
Nascido em Ubá (MG), em 1947, Ned teve seis irmãos normais. Desde pequeno, conviveu com o preconceito. Em tempos politicamente incorretos, até sua gravadora faturou em cima do "pequeno gigante": um de seus primeiros discos chamava "Um Show de 90 Centímetros". "Eu tinha mais de um metro, mas acharam que 90 centímetros chamaria mais atenção", disse o cantor.
Ele se especializou em música romântica. Adorava cantores latinos de repertório melodramático, como Lucho Gatica e Miguel Aceves Mejía, além de crooners brasileiros como Francisco Alves, Mário Reis e Orlando Silva. Mas seu cantor predileto era mesmo Tony Bennett.
Ned nunca foi aceito pela elite da MPB. Ronaldo Bôscoli o chamava de "anãozinho ridículo", o que o motivou a compor "Tamanho Não É Documento": "Sou pequeno, mas meu coração é grande/bem maior do que o seu".
Dizia que o preconceito do dia a dia o ajudava a encarar qualquer plateia: "Quem passou a vida toda sendo humilhado aprende a se defender. Quando canto eu me transformo, consigo ver o ar transformado em música. É uma sensação gloriosa".