Páginas

segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

Zonas de sombra - EDITORIAL O GLOBO


    É indiscutível a necessidade de apoio público à produção cultural. O Brasil não inova ao ter o mecanismo da Lei Rouanet, instituído em 1991 para canalizar parcelas do imposto devido de empresas e pessoas físicas para o setor. A discussão, instalada a partir da chegada do PT ao Planalto, em 2003, é sobre critérios na distribuição dos recursos e, ligado a isso, o sistema de processamento, no Ministério da Cultura, dos pedidos de enquadramento de projetos na lei.

    Na longa gestão da dupla Gilberto Gil e Juca Ferreira no MinC, nos governos Lula, houve tentativas de dirigismo na administração de incentivos fiscais, a mais conhecida e emblemática delas o projeto da Ancinav, agência idealizada para permitir a interferência do aparato burocrático estatal - devidamente aparelhado - no conteúdo da produção audiovisual do país. A sensatez destinou a ideia para as gavetas. Mas, como costuma haver grande contaminação ideológica e política toda vez, nos últimos anos, que se discutem reformas na Lei Rouanet, o projeto, com este fim, de criação do Programa Nacional de Fomento e Incentivo à Cultura (Procultura), relatado pelo deputado Pedro Eugênio (PT-PE), precisa ser acompanhado de perto.
    Os vieses ideológicos e políticos sempre ajudam a que se cometam erros técnicos. Mais uma vez, volta o discurso pela necessidade de uma suposta desconcentração dos recursos, para combater a primazia do Sudeste na distribuição dos projetos incentivados. Também como sempre, medidas nesta direção visam a promover "justiça" ao beneficiar os "pequenos". Sucede que esta concentração reflete a forma como a economia da cultura - e a própria atividade produtiva como um todo - está distribuída no país. E o fato de o produtor beneficiário do incentivo fiscal ter o CNPJ numa região não significa que o projeto apoiado também esteja nela. É comum produtores de Rio e São Paulo, Minas etc. desenvolverem empreendimentos no Norte e Nordeste. É preciso cuidado na leitura das estatísticas. Ninguém é contra estímulos específicos a regiões menos atendidas. O erro está em querer atingir este objetivo por meio da vilanização dos produtores do Sul e Sudeste.
    Há corporações de todo tipo no universo cultural, onde existe constante busca por recursos. Quanto mais claras as regras e mais voltadas para o profissionalismo das atividades, melhor. Isso não significa, porém, que não deva existir apoio para estimular a ascensão de novos artistas, em todos os campos da arte.
    Outra questão-chave é a forma como a política cultural será processada no MinC depois das mudanças. É preciso extremo cuidado para evitar que grupos e corporações pouco representativos, mas muito influentes em Brasília, passem a ter um peso desmesurado nas decisões sobre os incentivos.
    Um risco específico está na possibilidade de a Comissão Nacional de Incentivo à Cultura (CNIC), criada pela Lei Rouanet para representar a sociedade civil, perder autonomia diante do Conselho Nacional de Política Cultural (CNPC), mais alinhada a ativistas que transitam na área. Tudo isso justifica que se debata mais o projeto.