Será preciso muito cuidado para corrigir desvios, e também firmeza, a fim de que não haja retrocessos, com a volta a um método já comprovadamente falido
A aprovação final pelo Senado do Uruguai do projeto de regulação do plantio, cultivo e consumo da maconha é o início de uma experiência no enfrentamento do problema da droga a ser acompanhada com extrema atenção.
A ideia, defendida com energia pelo presidente José “Pepe” Mujica, sequer tem apoio majoritário na população, demonstram pesquisas. Mesmo a linha seguida pelo Uruguai, de colocar o Estado como principal protagonista no mercado legal da erva, é discutível, pelo que pode gerar em burocratização, e também devido ao risco concreto de ineficiência no manejo da questão.
Porém, o sentido da experiência uruguaia está em linha com as melhores análises críticas feitas do tradicional método policial e militar de enfrentamento das drogas.
Fracassada esta via — apenas os Estados Unidos gastam, sem êxito, bilhões de dólares por ano na repressão ao comércio e consumo de entorpecentes —, explora-se, em várias partes do mundo, outra abordagem: a da saúde pública.
Não se discute a necessidade de combate ao tráfico pesado. A mudança está, entre outros aspectos, no acolhimento do usuário, sua descriminalização. A tese tem sido bem recebida na Europa — onde Portugal se destaca por reduzir danos no consumo de drogas, e a violência em geral, ao não criminalizar o viciado — e na América Latina. No continente, existe uma comissão com a presença ex-presidentes, FH entre eles, organizada para defender esta bandeira.
O Uruguai vai além, ao legalizar a maconha cultivada sob controle do Estado. A medida visa a afastar o usuário do traficante, para que deixe de sustentá-lo e financiar o crime. Políticas deste tipo enfrentam grande resistência, apesar da evidente falência, no mundo, do combate à droga apenas com armas. No Brasil, o conceito da descriminalização do usuário foi absorvido na legislação, mas que é falha, ao não fixar parâmetros objetivos para ajudar o juiz a separar o traficante do viciado. O viés apenas repressivo no manejo da questão da droga está, por exemplo, num projeto aprovado na Câmara e já no Senado que permite a internação compulsória de usuários de crack — mesmo que pesquisas confiáveis demonstrem que a maioria dos craqueiros aceita o tratamento de forma espontânea.
Washington continua inamovível em defesa do método militar e policial, e por isso a ONU se mantém na mesma posição. Mas o federalismo americano permite que alguns estados já tenham adotado modelos semelhantes ao uruguaio, com relação pelo menos à maconha.
A política adotada agora pelo Uruguai não é, portanto, uma excentricidade, uma experiência absolutamente inédita. Nem uma solução mágica. Será preciso, então, muito cuidado para corrigir desvios, e também firmeza, a fim de que não haja um retrocesso. A alternativa do recuo na descriminalização é a aplicação de um método já comprovado como falido.