Cada qual tem seus hábitos e manias; se quer que o namoro dure, o melhor é viver cada um no seu canto
Eles são namorados, mas moram em casas separadas. Ele no Leme, ela em Botafogo. É que, como já não são jovens, cada qual tem seus hábitos e manias, como querer de repente ficar só, gostar de programas de televisão diferentes, enfim, se quer que o namoro dure, o melhor é viver cada um no seu canto.
Disso resulta que, em vez de marido e mulher, continuam namorados. Telefonam-se todos os dias, mas nem sempre se encontram. Quando se encontram é para passear, jantar ou ir ao cinema, em geral aos domingos e feriados.
Ele lê para ela ao telefone o nome dos filmes que estão passando, a que hora e em qual cinema, e se encontram lá. Depois vão tomar um lanche, ou vai um para a casa do outro que ninguém é de ferro. Tudo certinho, como convém aos casais que não gostam de dramas nem de arranca-rabos.
E assim foi que marcaram para ir ao cinema naquela tarde de domingo. A escolha do filme foi feita, como de hábito, e já que o cinema era mais perto da casa dela que da dele, encarregou-se ela de comprar os ingressos.
Ele almoçou na hora de sempre e ligou a televisão para a última corrida do ano da Fórmula 1, particularmente interessante porque era a despedida de Felipe Massa da equipe da Ferrari. Depois lembrou-se que não ia dar tempo de ver o fim da corrida, pois prometera chegar ao cinema uns 20 minutos antes de começar o filme.
Fez os cálculos e concluiu que, se saísse de casa às 15h15, chegaria a tempo. Por isso, às 15h, começou a trocar de roupa, e na hora prevista estava já na rua tomando um táxi que o levaria ao cinema.
Chegou um pouco antes do que previra, pois o trânsito estava fluente, mais do que de costume. Ela ainda não havia chegado, conforme deduziu depois de atravessar a sala de espera e entrar na livraria que há ali. Estranhou, mas ficou vendo os livros para fazer hora. Abriu um deles, leu alguma coisa e, depois de um tempo, foi sentar-se na única cadeira que ainda estava livre, na entrada da lanchonete. Havia gente demais, formara-se uma fila enorme para ver não sabia qual filme. Mas ela não chegava!
Consultou o relógio, já estava na hora de entrar na sala de projeção, ela nada. Isso nunca havia acontecido, ela sempre chegava antes. Foi então que se lembrou de que, ao sair do apartamento, ao entrar no elevador, ouviu um telefone tocar, poderia ser o seu? Entrou no elevador e seguiu adiante. Seria ela? Teria acontecido alguma coisa e ela tentara avisar? E pior é que ele não usa celular, só o telefone fixo de casa. Não é nada disso, pensou, ela deve estar chegando.
Mas a aflição não cedia. Viu um rapaz com um celular e pediu a ele para fazer uma ligação. Ligou para a casa dela e ninguém atendeu. Ela tem celular, mas ele não sabia o número. Aflito, foi até a porta de entrada para esperá-la. Ficou ali uns dez minutos e nada. Decidiu tomar um táxi, ir até em casa e de lá telefonar para o celular dela. Foi, ligou, ela atendeu. "Estou aqui no cinema, acabei de chegar". E ele: "Mas já passam das 16 horas, o filme já começou. Você chegou depois de ter começado? Não acredito!".
E ela: "Já vou para aí", disse e desligou. Ele ficou perplexo, mas logo tomou uma decisão: desceu, pegou um táxi e voltou para o cinema. Encontrou-a na lanchonete: "Você está maluco. Por que veio tão cedo para o cinema? O filme só começa às cinco, são quatro e meia".
"É, você tem razão. Estou ficando matusquela. Meti na cabeça que o filme começava às quatro. Como você não chegou, fui para casa e de lá te liguei". E ela: "Você estava em casa?! Pensei que estivesse na porta do cinema me esperando! Que confusão!".
Riram e decidiram entrar na sala de cinema. Sentaram-se rindo da encrenca em que se haviam metido, até que as luzes se apagaram e na tela surgiram os anúncios. Depois a projeção de um trailer que não terminava nunca e, de repente, a luz acendeu de novo, cessou a projeção. Passaram-se os minutos e nada. Até que surgiu um funcionário do cinema e anunciou que o projetor dera um defeito, a sessão estava cancelada.
Sem dúvida alguma, aquele não era um dia de sorte do casal.