A classe média maranhense, especialmente a de origem urbana,habitante da hermética capital, guarda no imaginário uma coleção de verdades, que vez por outra reverbera no debate político.
Um dessas coletâneas se mistura a um conjunto de significados que dão origem à nova frase da moda entre os que querem causar a impressão de estar na crista da onda da sabedoria: "É preciso acabar com o discurso de oligarquia".
Para a classe média maranhense, ciosa de suas conquistas e ansiosa por sentir-se pertencente ao mundo ocidental que "deu certo", assumir determinadas palavras que possam lembrar o derrotismo é insuportável. Decorre daí a dificuldade de lider com conceitos embutidos em palavras como "oligarquia".
Quando falo classe média, não me refiro à dita nova classe média, nascida no Brasil do lulismo e cujos métodos de inserção no mundo se limitam ao critério do consumo. Falo da classe média, que além do poder de consumo, detém o acesso aos meios de educação superior e cultural, condições dignas de moradia e proximidade geográfica dos principais serviços ofertados para se manter uma vida social constante.
Essa classe média, ainda incipiente, que detém toda a totalidade dos computadores com acesso à internet banda larga - instrumento ainda distante dos pobres - é formadora de opinião. Nas redes sociais, nas universidades, nos sindicatos, escolas, igrejas e demais espaços públicos, é ela quem comanda e difusa os rumos do debate, estabelecendo padrões do que pode e do que não pode ser aceito como padrão de verdade.
Dizia Carlos Drummond de Andrade, que apesar da luta com palavra ser vã, insistimos em lutar. Drummond está certo. Se quisermos encontrar algum sentido na existência, a primeira coisa a se fazer é tomar as palavras pelo chifre e domá-las, por mais fortes que elas possam parecer e por mais que elas afrontem o pernicioso senso do politicamente correto, praga que assola a humanidade nos dias atuais.
Uma parte significativa da classe média maranhense, no entanto, se recusa ao incômodo da luta com a historicidade das palavras e se refugia no politicamente correto, preferindo fazer aquilo que o filósofo Nietsche chamava de "construções idealista da verdade". Incapazes de lidarmos com a dureza da vida, muitas vezes nos protegemos, construindo mundos ideais e reconfortantes.
E poucas coisas são tão duras a qualquer maranhense do que pensar na possibilidade de um mundo onde nós maranhenses figuramos como esquecidos ou derrotados. Somos tão orgulhosos e dependentes da ideia de sermos importantes no mundo, que inventamos o mito da "única capital brasileira fundada por franceses", apesar de possuirmos em nosso Centro Histórico, o maior conjunto de edificações portuguesas do século XIX, fora de Portugal.
Já disse em outras oportunidades que os historiadores do Maranhão (e me incluo nisso) perderam a oportunidade de "ressignificar" algumas permanências históricas para que elas continuassem fazendo sentido na sociedade. O termo "oligarquia" talvez seja o exemplo mais simbólico de uma falha de programação neurolinguística e interpretativa.
Usado a exaustão por PT e PDT para atacar o grupo Sarney nos últimos 25 anos, o termo "oligarquia" claramente se esgotou do ponto de vista do apelo comunicativo; é desgastado entre os mais velhos e faz pouco sentido para os mais jovens, mas é uma palavra cujo historicidade ainda está, lamento dizer, intensamente vinculada à nossa condição local de existência.
O modelo oligárquico é parte do que somos, ele não poderia e nem deveria ser associado apenas ao grupo Sarney, ele é sintoma bicentenário de uma sociedade que permanece incapaz de solucionar as graves distorções na distribuição das enormes riquezas produzidas no Maranhão.
Entendo perfeitamente que a classe média queira distância do discurso que se sustenta em evidenciar a oligarquia como nova prática cotidiana predominante.Ninguém quer fazer parte de um grupo social com um peso tão negativo fincado em suas costas.
Mas não adianta. Ou assumimos incondicionalmente nossa condição de sociedade controlada pela lógica oligárquica, ou teremos que continuar nos refugiando sofregamente em mitos infantis e, pior, dependentes não da nossa própria capacidade de crescimento pessoal, mas da boa vontade e dos favorzinhos humilhantes e dos atos moralmente questionáveis do dia a dia, que sustentam tão instavelmente nossa vida classe média.