Catullo da Paixão Cearense (*8.10.1863 - + 10.05.1946 )deve continuar na gaveta literária maranhense. Homenageado na 7ª Feira do livro no aniversário de 150 anos de seu nascimento, bem que o escritor merecia.
Nascido no
Maranhão, Catullo jamais teve sua obra no prelo ou catálogos das instituições
literárias mais renomadas da terra natal. Por aqui, sua obra se resume a “Luar
do Sertão”, e pouca coisa mais para os iniciados nas letras.
Popularmente, é mais
conhecido pela estátua desprezada em frente ao estádio Nhozinho Santos,
relativamente distante do sobrado nº 66 da rua Grande, onde nasceu o filho de
Amâncio José da Paixão Cearense.
O pai, deixou pra
traz o Maranhão e o nome envolvido no crime passional do desembargador Pontes
Visgueiro, clássico da histórica jurídica brasileira. Foi ele quem fez o caixão
no qual foi depositado o corpo de Maria da Conceição “Mariquinhas”, vítima da
fúria libidinosa de Visgueiro (em breve a história ganha versão no cinema e HQ
do chargista Cordeiro Filho). O filho também se exilou do torrão pra nunca mais
voltar.
Aos dez anos
Catullo deixou o Maranhão, indo para o sertão do CEará. Aos 16 foi para o Rio
de Janeiro.O retorno foi somente agora em 2013. Mas, de forma tímida como
convém nosso parco universo cultural, um cadinho melindroso e deliberadamente
elitista. Afinal, a Athenas ainda é aqui.
A faceta musical de
Catullo da Paixão Cearense é mais projetada. Sobre o violão confessou:
"eu fiz deste instrumento dos peraltas/um irmão do violino e mais:- do
piano!. Tamanho talento o transformou no personagem "Ricardo Coração
dos Outros, do romance "O Triste fim de Poicarpo Quaresma", de Lima
Barreto. Como múltiplo que era, deixou rastros pra tudo quanto é lado
das artes. Um deles é “O
Lenhador”, obra primorosamente editada pela Peirópolis, com endereço
conhecido na Vila Madalena da capital paulistana.
Organizada por
Francisco Marques, Chico dos Bonecos, a obra é um poema em voz alta ilustrado
por Manu Maltez e dedicado à memória de Paulo Silva Araujo.
Há um capítulo na
obra "Um boêmio no céu" (autobiografia autorizada), de Catullo da
Paixão Cearense, escrito por Guimarães Martins intitulado "O artista
que só não deslumbrou os imbecis" que sintetiza a importância que dele
para o Brasil do início do século X e por séculos e seculori.
Sobre sua biografia
escreveu Humberto de Campos em "Perfis- segunda série"(editora Mérito
- Rio de Janeiro, 1936):
No dia 5 de julho de
1908, um acontecimento marcou a história da música no Brasil:
"Por
esse tempo, o violão era considerado, no Rio, uma espécie de arma proibida.
Andar com um violão alta noite, era trazer consigo um atestado de má conduta,
uma prova de que pertencia à numerosa classe dos...desclassificados. E foi
quando Catullo surgiu.
Era uma festa de beneficência no antigo Instituto de Música. Vários
números foram executado, no piano e no violino. E esperavam, todos, um poeta
que recitasse, ou uma soprano, que vomitasse os pulmões, quando apareceu no
tablado, os olhos afundados na testa, o nariz longo, de quem cheira longe, um
rapazola de aspecto popular, agarrado a um violão.
A decepção foi geral, no primeiro momento. O rapazola sentou-se,
porém,.desembaraçado, cruzou as pernas, curvou o rosto em cima do pinho,
chegou-o mais ao coração, e a primeira nota partiu, primeiro do instrumento,
depois, do peito comovido. E estalou, pela primeira vez, num salão
aristocrático do Rio de Janeiro, acompanhada pelas cordas de um violão, a
modinha nacional".
Para história, entrou definitivamente a letra para 'Engenho
do Humaitá", de João Pernambuco, que originaria o "hino nacional do
coração brasileiro": a canção "Luar do sertão".
Oi Catullo!
Como a gente anda londe das
canduras de Catullo!
Acho que a natureza agora está
chorando inteira.
Por todos os seus rios, por todas
as suas conchas, por todas as suas árvores. Parece que o homem enlouqueceu.
Agora nem usa machado mais, usa serra. E vai serrando as árvores por hectare.
As florestas sangra,. Não temos mais a Vó para chorar a dor das árvores. Só os
passarinhos choram. Os nossos meninos sabem pouco sobre a dor das árvores. Nós
sabemos pouco.
Oi Catullo! Sabemos pouco ou
quase nada sobre o coração das árvores. Eu, de minha parte, só penso em desver
este mundo tão malvado com a natureza. Mas para desver este mundo precisei
inventar outro. Eu escondi as árvores no olha do sapo! Agora as árvores estão
escondidas no olhar dos sapos! Se o lenhador quiser cortar uma árvore, o sapo
fecha o olho!
Oi Catullo!
Manoel de Barros
Um epitáfio para Catullo da
Paixão Cearense
Catullo não morreu: luarizou-se
Mario Quintana
Da obra “A cor do invisível”.
Mario Quintana. São Paulo, Editora Globo, 206. Segunda edição. Página 120
O Lenhador
Um lenhadô derribava
as árvre, sem percisão,
e sempe a vó li dizia:
“Meu fio: tem dó das árvre,
que as árvre tem coração”!
O lenhadô, num muxoxo,
e rindo, cumo um sarvage,
dizia que os seus consêio
não passava de bobage.
Às vez, meu branco, o marvado,
Acordando munto cedo,
Pegava no seu machado,
E levava o dia intero,
Iscangaiando o arvoredo.
E a vó, supricando im vão,
sempe, sempe li dizia:
“Meu fio: tem dó das árvre,
que as árvre tem coração”!
Numa minha, o mardito,
inda mais briuto que os bruto,
dem fazô caso dos gritos
da sua vó, que já tinha
mais de noventa janêro,
botou no chão um ingazêro,
carregadinho de fruto.
D´outra feita, o arrenegado
fez pió, muito pió!
Disgaiou a laranjêra
da pobreizinha da vó,
uma veia laranjêra,
donde ela tirou as frô
pra leva no seu vistido,
quando, virge, si casou
cum o véio, que tanto amou,
cum o difunto...o falicido!!
E a vó, supricando im vão,
Sempre, sempre li dizi
“Meu fio: tem dó das árvre,
que as árvre tem coração”!
Do outro lado do capinzá
Adonde pastava o gado
Tava um grande e véio ipô,
Que o avô tinha prantado.
Depois de levá na roça
c´uma inxada a iscavacá
debaxo daquela sombra,
nas hora quente do dia,
vinha o véio a discansá.
Se era noite de lua,
ali, num banco de pedra,
c´uma viola conversando,
o véio, já caducando,
rasgava o peito a cantá.
Após, meu branco, o tinhoso,
o bruto, o mau, o tirano,
a fera disnaturada,
um dia jogou no chão
aquela árvre sagrada,
que tinha mais de cem ano!
Mas, porém, quando o tinhoso
isgaiava o grande ipê
viu uns burbuio de sangue
do tronco veio iscorrê!
Sacudiu fora o machado,
e deu de perna a valê!
E foi correndo!...correndo!!
Cada tronco que ia vendo
das árvre que ele torou,
era um braço alevantado
dum home, meio interrado
a gritá: “Vai-te, marvado!...
Assassino!...Matadô!
Foi Deus quem te castigou”
E foi correndo!...correndo!!
Cada vez corria mais!
Mas porém, quando, já longe
Uma vez oiou pra trás
Vendo o ipê alevantado
Cumo um home insanguentado,
Cum os braço todo torado...
Cada vê curria mais!
Na barranca do caminho,
abandonado, um ranchinho
entre os mato entoce viu!
Qué vê se isbarra e discansa
e o ranchinho, pru vingança,
im riba dele caiu!
E foi correndo e gritando
E as árvre, que ia topando,
e que má pudia vê,
cumo se fosse arrancada
cum toda a raiz da terra,
numa grande adisparada
ia atrás dele a corrê!!
Na boca da incruziada
vendo uma gruta fechada
de verde capuangá,
o home introu pulos mato,
que logo que viu o ingrato,
de mato manso e macio,
ficou sendo um ispinhá!
E foi outra vez correndo,
cansado, pulos caminho!...
Toda a pranta que incontrava,
o capim que ele pisava
tava criado de ispinho!!!
Curria ... e não aparava!!!
Ia correndo, sem tino,
cumo o marvado, o assasino,
que um inocente matou!
Mas po´rme, na sua frente,
o que ele viu, de repente,
que, de repente, impacou?!
Era um rio que passava,
ali, naquele lugá!!
O rio tinha uma ponte,
que nós chamemo - pinguela...
O home foi atravessá!
Pôs o pé...lá passando...
E a ponte rangeu, quebrando...
e toca o bicho a nadá!!!
O bruto tava afogando,
mas porém, sempre gritando:
"Socorro, meu Deus, socorro!
Socorro, que eu vou morrê!!
Eu juro a Deus, supricando,
nunca mais na minha vida
uma só árvre ofendê!!!"
Entonce, um verde ingazêro
que tava im riba das água
isticou um braço verde,
dando ao home a sarvação!
O home garrou no gaio,
no gaio com os dente aferra,
foi assubiando...assubiando...
e quando firmou im terra,
chorava cumo um jobão!
Bejando o gaio e chorando,
dizia:"Muito obrigado!
Deus te faça, abençoado,
todo o ano tê verdÕ!
Vou rebentá meu machado!
Quero isquecê meu passado!
Não seria mais lenhadô!"
Depois dessa jura santa,
pra tê de todas as pranta
a graça, o perdão intêro
dos crime
de home ruim,
foi se
fazê jardinêro,
e não
fazia outra coisa
sinão
tratá do jardim.
A vó, que
já carregava
mais de
noventa janêro,
dizia que
neste mundo
nunca viu
um jardinêro
que fosse
tão bom assim!
Drumia
todas as noite,
dexando a
jinela aberta,
pra
iscutá trodo o rumô,
e às vez,
inté artas hora,
ficava,
ali na janela,
uvindo o
sonho das frô!
De minhã,
de minhã cedo,
lá ia
sab^}e das rosa,
dos
cravo, das sempe-viva,
das
manguinólia cherosa,
se tinha
drumido bem!
Tinha
cuidado cum as rosa
que munta
vó carinhosa
cum os
seus netinho não tem!
Dizia a
uma frô: "Bom dia!
Cumo tá
hoje vremêia!..."
Dizia a
outra: "Coitada!
Perdeu
seu mé!...Foi robado!
Já sein
quem foi!...Foi a abêia!"
Despois,
cum pena das rosa,
que
parece que chorava,
batis leve
no gaio,
e as rosa
desavexava
daqueles
pingo de orvaio!
Ia
panhando do chão,
as frô
que no chão caía!
Despois,
com as costa da mão,
alimpava
os pingo d´água
que vinha
do coração,
batia im
riba do peito,
cumo quem
faz confissão.
Quando no
sino da ingreja
tocava as
Ave-Maria,
nos
cantêro, ajueiado,
pidia a
Deus pulas armas
das frô,
que naquele dia,
no jardim
tinha interrado!
E agora, quando passava
junto das
árvre, cantando,
cheio
d´água, carregando
o seu
véio regadô,
as árvre,
filiz, contente,
que o
lenhadô perduava
no
jardinêro atirava
as suas
parma de frô!