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quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Famílias de vítimas de Alcântara ainda esperam indenização

Acidente que matou 21 técnicos e engenheiros na base de lançamento de foguetes no MA completa dez anos
Parentes querem a reabertura do processo criminal; até hoje, ninguém foi responsabilizado

SABINE RIGHETTIENVIADA ESPECIAL AO RECIFE
    Dez anos após o acidente que matou 21 engenheiros e técnicos na base de lançamento de foguetes de Alcântara, no Maranhão, as famílias das vítimas ainda esperam respostas do governo.
    Ao todo, 19 famílias pedem indenização por danos morais e materiais em um valor maior do que a quantia cedida pelo governo na época, de R$ 100 mil por família e assistência médica por um ano.
    Os filhos das vítimas recebem uma bolsa de R$ 820,83 até os 24 anos. "O problema é que esse valor não dá nem para pagar uma faculdade", diz Doris Maciel, coordenadora da Associação de Viúvas das Vítimas de Alcântara, mãe de duas filhas adultas.
    "Além disso, estamos sem assistência de saúde", diz.
Dos 19 pedidos de indenização, 15 receberam despacho favorável na 1ª instância, mas a União recorreu. "Estamos aguardando julgamento no tribunal", diz o advogado José Oliveira, irmão de uma das vítimas e presidente da Associação das Famílias das Vítimas de Alcântara.
    O valor reivindicado em cada ação varia de acordo com a idade do profissional morto, o tamanho da sua família e a idade dos filhos. Oliveira pediu que a quantia solicitada não fosse revelada por motivo de segurança.
    O acidente, ocorrido em 22 de agosto de 2003, foi causado pela ignição antecipada de um dos propulsores do foguete, chamado de VLS-1 (Veículo Lançador de Satélites), por uma pane elétrica.
    O VLS-1 estava em solo, ligado à torre de lançamento, que pegou fogo. Os 21 profissionais do CTA (atual Comando-Geral de Tecnologia Aeroespacial), órgão da Aeronáutica, estavam na torre.
    As famílias também pedem respostas quanto aos motivos do incêndio. A Justiça Militar arquivou, em março de 2005, o IPM (Inquérito Policial Militar) que apurou o caso.
"Pedimos a reabertura do processo criminal. Estamos aguardando manifestação da Procuradoria-Geral da República", diz Oliveira.
OBSTÁCULOS
    A torre de lançamento do VLS-1 foi reconstruída após o acidente de 2003. Mas o lançamento de teste deve levar mais dois anos para acontecer, de acordo com o diretor da AEB (Agência Espacial Brasileira), José Raimundo Coelho. Ele conversou com a Folha durante reunião anual de cientistas no Recife.
    Pelo andar das obras, o teste será realizado em 2015 --com três anos de atraso.
Somente depois disso, a base poderá lançar o Cyclone-4, foguete que está sendo construído pela empresa binacional do Brasil e da Ucrânia ACS (Alcântara Cyclone Space), criada em 2006.
    Alcântara é considerado um dos melhores locais do mundo para lançamentos de foguetes com satélites comerciais pela proximidade ao Equador. A órbita mais explorada comercialmente (chamada geoestacionária) fica no plano do Equador, onde estão os satélites de telecomunicações.
    A estimativa é que os foguetes que lancem satélites de Alcântara economizem até 30% do combustível.
    Para ser construída, a base levou à desapropriação de 62 mil hectares de uma comunidade quilombola. Os moradores sobreviviam da pesca, mas as terras para onde parte deles foi levada não permitem essa atividade.
    "Isso nunca vai deixar de ser um trauma", diz Coelho. Hoje, há 26,6 mil quilombolas morando na região.
    Segundo ele, a AEB tentará integrar a comunidade por meio de projetos de educação que, acredita, terão apoio da prefeitura de Alcântara e do governo do Maranhão.
Governo quer criar polo turístico na região
RAFAEL GARCIADE SÃO PAULO
    O Ministério do Turismo planeja pegar carona nas obras do CLA (Centro de Lançamento de Alcântara) para aumentar os índices de visitação à cidade, que caem à proporção inversa em que o número de turistas cresce nos Lençóis Maranhenses.
    Com a promessa de o centro passar a lançar foguetes a partir de 2014, o ministro Gastão Vieira, maranhense, diz que a ideia é transformar a península de Alcântara num "Cabo Canaveral" brasileiro.
    "Em Alcântara, nós teríamos como a atração tanto alta tecnologia dos foguetes quanto uma cidade belíssima, que é patrimônio nacional desde 1948", diz Vieira. "O turismo na cidade hoje só está morrendo porque não existe estrutura, não existem hotéis e o sistema de transporte é muito precário."
    Segundo o ministro, um dos objetivos da proposta é criar alternativas de renda para habitantes da região, onde há uma população remanescente de quilombos.
    As lideranças comunitárias sempre questionaram a instalação do CLA na área, mas Vieira não descarta a possibilidade de desenvolver um programa de "turismo quilombola" se as comunidades locais abrirem suas terras para visitação.
    Vieira diz que há negociações para que um hotel se instale na área do CLA e para que a Aeronáutica empregue uma de suas lanchas no transporte de turistas parte do tempo.

ANÁLISE
Programa espacial já estava mal das pernas antes do acidente
SALVADOR NOGUEIRACOLABORAÇÃO PARA A FOLHA
    Uma década depois do trágico acidente que matou 21 técnicos e engenheiros no Centro de Lançamento de Alcântara, já dá para dizer que infelizmente suas mortes foram em vão.
    Verdade que o programa espacial brasileiro já andava mal das pernas antes disso. O Veículo Lançador de Satélites (VLS-1), protagonista da tragédia, tinha passado por dois voos de qualificação antes do acidente, em 1997 e 1999, ambos fracassados.
    Após o acidente, o então presidente Lula prometeu que uma nova tentativa de tornar o Brasil capaz de colocar seus próprios artefatos no espaço seria feita antes do fim de seu mandato.
    Não só não aconteceu como ele ganhou mais quatro anos no Planalto e saiu de lá sem ver o VLS-1 decolar.
    O engajamento pelo programa só durou o tempo de contratar uma consultoria russa para aprimorar o projeto original. O lançamento, que era para ser em 2006, ficou para 2007, depois para 2010, depois para 2013, e neste ano, ao que tudo indica, não sai mais.
Até recentemente, podia-se pôr a culpa no Tribunal de Contas da União, diante do interminável travamento de uma licitação para reconstruir a Torre Móvel de Integração, o prédio que prepara o VLS para voos e que foi completamente devastado pelo incêndio de 2003.
    Mas desde o ano passado a infraestrutura está em ordem para nova tentativa. E onde está o foguete?
Detalhe: o próximo lançamento deve testar só metade do veículo, os dois primeiros estágios. O topo do veículo será apenas peso morto. Só depois desse e de mais um lançamento, teremos uma tentativa para valer de colocar um satélite em órbita. Tudo isso para validar um veículo lançador ultrapassado, projetado na década de 1970.
UCRÂNIA
    Enquanto isso, na Agência Espacial Brasileira, aguarda-se a perspectiva de realizar lançamentos comerciais com os foguetes ucranianos Cyclone-4. O ministro Marco Antonio Raupp (Ciência, Tecnologia e Inovação) diz que a pasta investirá R$ 1 bilhão na empresa binacional Alcântara Cyclone Space, proposta em 2003 para fazer seu primeiro lançamento em 2007.
    Os ucranianos, que herdaram o foguete da antiga União Soviética, aguardam ansiosamente, pois por aqui falta tudo --desde infraestrutura para lançar o Cyclone-4 de Alcântara até um website (digitando www.alcantaracyclonespace.com, encontra-se só um "site em manutenção").
    Diz Yuri Alexeyev, presidente da agência espacial ucraniana, que o primeiro foguete sobe de Alcântara em 2014. O governo brasileiro fala em 2015. Será que Alexeyev apostaria dinheiro nisso?
Da Folha