O vento modifica a paisagem do parque nacional continuamente, num infinito balé. Comece a aventura por Barreirinhas - e nem cogite perder o pôr do sol
Felipe Mortara/BARREIRINHA - O Estado de S.Paulo
Lençóis é daqueles lugares em que você mal chega e já sente saudades. Os olhos, estes órgãos mimados e exigentes, habituam-se rapidinho ao que é belo e harmonioso. E, aqui, ficam mal acostumados que só. Aliás, não são só eles, não. Estas areias com ares escaldantes na verdade têm o frescor do vento incessante que as fazem flutuar delicadamente na altura do tornozelo. Difícil dizer isso, mas dispense as havaianas.
Um deserto que se move com o vento, dunas que parecem líquidas, pontilhadas por lagoas de ares oníricos. Águas translúcidas se acumulam com as chuvas do primeiro semestre e se transformam em refrescantes piscinas até setembro. Pois é, a melhor época para visitar este tesouro vai, em geral, de junho até o próximo mês, quando as águas secam até que o oásis vire areia e mais areia. Um bom motivo, portanto, para se apressar.
Porém, não se lamente se puder viajar apenas fora de temporada, já que o cenário não fica feio de jeito nenhum. Perenes, as lagoas do Peixe e da Esperança nunca secam e acolhem os desesperados com um mínimo de água o ano todo.
Além disso, as belíssimas praias de Atins e Caburé o esperam a apenas uma hora de barco descendo o Rio Preguiças. Mas são as águas doces que fazem dos Lençóis Maranhenses um lugar único. Não vi ninguém sem encanto estampado no rosto. E não é para menos: 1.560 quilômetros quadrados de parque nacional, com dunas, água e também - pasme - árvores enormes. E a base para conhecer tudo isso é Barreirinhas, cidade de 60 mil habitantes, a 270 quilômetros da capital, São Luís.
Protagonistas. Posso apostar um mindinho que no seu roteiro haverá pelo menos duas lagoas, a Azul e a Bonita - afinal, são os principais passeios desde Barreirinhas. Se jogue: as duas fazem por merecer. Além disso, cada tour passa por cinco lagoas menores (porém não menos idílicas), distribuindo bem os turistas. Garantimos a foto do Facebook sem ninguém ao redor (e um recorde de curtidas).
Não se esqueça de que a Azul e a Bonita são só as mais próximas da cidade, a pouco mais de uma hora em jardineira. Turistas de vários países e até famílias com crianças pequenas encaram estes rústicos veículos 4x4 com assentos instalados na parte de trás. O caminho exige algum molejo (além do amortecedor da Toyota), pois todo o trajeto é de areia - carros normais nem sonhem em desafiar. Ambos os tours costumam durar meio período e custam, em média, R$ 50 por pessoa nas agências em Barreirinhas.
Aí você pergunta o melhor horário para conhecer cada lagoa. Peço perdão pela indecisão e sugiro: vá de manhã e à tarde, e me diga você sob qual luz mais gostou da paisagem. As nuances das areias mudam, de branco para amareladas, ou seriam cor de creme? As lagoas clareiam ou ganham tons mais intensos com o entardecer. Ah, o fim da tarde. O pôr do sol é um programa à parte, uma poesia da natureza.
Ao final de tudo isso, meu caro, você provavelmente terminará por recomendar este lugar a um estranho. Ou melhor, a um novo amigo . Daqueles de infância, claro.
O pequeno monomotor Cessna taxia por menos de 30 metros até a cabeceira da pista do aeródromo de Barreirinhas. Dentro, dois passageiros no banco de trás e um na frente, junto ao piloto, que muito gentilmente tirou a porta do lado direito. Além de refresco contra o forte calor do fim de tarde maranhense, permite que tiremos fotos sem vidros na frente. Calma, os cintos estão bem atados.
Acelerar na pista vazia é sempre emocionante, ainda mais na posição do copiloto. Primeiro vê-se Barreirinhas espalhando suas milhares de casas em meio às árvores, em seguida a mata se fecha e se estende ao longo do Rio Preguiças. Em instantes alcança-se a sua foz, que deságua no mar próximo à vila de Atins.
O Farol Preguiças, em Mandacaru, que lá embaixo se sobrepõe, lá de cima é um risquinho branco. Majoritariamente verde, a paisagem ganha tons amarelados na direção do deserto. Um visual e tanto. Do alto compreende-se porque Caburé fica em um ponto tão privilegiado, a poucos metros do rio e do mar, uma ponta de areia que sobrevive entre as águas. Os Pequenos Lençóis são um breve aperitivo.
Concluímos uma enorme curva à direita e a melhor parte do show começa. A 300 metros de altura, as lagoas exibem formatos inusitados, muito curvilíneos e recortados. Só as cores dariam uma tese de mestrado. Verdes de infinitos matizes e intensidades. Até os sedimentos mais escuros têm beleza. Dunas que se enlaçam num mosaico cor de creme. O sol tem papel fundamental na composição do cenário, transformando-o a cada minuto. Que lindo, que lindo.
Como às 17 horas a luz já não incide tão forte sobre as lagoas, ofuscando as cores, recomenda-se voar mais cedo. Mas é claro que o pôr do sol também é disputado. Méritos ao piloto, que, além de propor o melhor horário, ainda ajuda a diminuir a tensão natural ao voar em um avião de pequeno porte e demonstra bastante segurança.
Especialmente quando se aproxima o gran finale. A mais de 100 km/h, o avião começa a baixar sobre a Lagoa Azul, repleta de turistas que aguardam o pôr do sol. Não sei bem se pelo cenário, se pela adrenalina, se pela velocidade ou pelo privilégio, ficou difícil conter as lágrimas.
O sobrevoo de 30 minutos sobre os Lençóis está incluído naquela categoria dos passeios que valem o que custam e que, quando terminam, você quer ir de novo, tal qual uma criança saindo da montanha-russa. Acredite: R$ 250 pode parecer muito dinheiro antes de decolar. Mas, assim que pousar, você preencherá o cheque para a Primos Off Road (98-9194-3486) satisfeito. E perguntará: quando vou poder voar de novo?
Com pista irregular, polêmica cerca os voos panorâmicos
Uma polêmica ronda o sobrevoo panorâmico sobre os Lençóis Maranhenses. Isso porque a pista de onde decolam os aviões, assim como a maior parte dos aeródromos do País, não é homologada pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), o que torna os voos tecnicamente irregulares. No entanto, o cenário pode mudar em breve.
Um novo aeroporto, com capacidade para aeronaves de grande porte, está com a pista pronta e será inspecionado em setembro. Se não forem encontradas irregularidades na vistoria, a Anac deve conceder autorização para entrar em funcionamento. Apesar de o terminal de passageiros ainda estar em obras, um espaço provisório recebe os visitantes.
Caso tudo ocorra como previsto, os monomotores particulares que hoje operam em Barreirinhas poderão se associar a empresas de táxi aéreo da capital maranhense e, assim, passar a funcionar legalmente. Hoje estão autorizados apenas os voos que decolam e pousam em São Luís, a 260 quilômetros dos Lençóis, com duração de aproximadamente 1h40. Empresas como a Cururupu (98-3244-1511) cobram R$ 2.500 para cinco pessoas pelo sobrevoo.
O tempo costuma ser um ótimo indicador do quanto um lugar consegue tirar o visitante da sua rotina, em geral estressante e que clama constantemente por descanso. Quando um lugar consegue suprimir, ainda que por alguns dias, a noção das horas e fazer esquecer o dia da semana, eis um canto digno para tirar férias. Poucas agências de turismo em Barreirinhas vão dizer isso, mas faço questão: Atins é o lugar mais relaxante dos Lençóis Maranhenses.
Podem argumentar que "não há nada o que fazer lá". Ainda que fosse verdade, o que não é definitivamente o caso, seria um ótimo motivo. Povoado pacato com ruas de areia fofa na barra do Rio Preguiças, Atins se aproveita da localização privilegiada para se fazer único. Dizem que será a próxima Jericoacoara e, a julgar pelo preço dos terrenos e a quantidade de estrangeiros por lá, não é algo difícil de acreditar.
Encravada entre a água doce e salgada, possui praias calmas ideais para praticar ou aprender kitesurfe - pergunte por instrutores. Um curso de 10 horas custa cerca de R$ 1 mil. Não bastasse isso, as atrações clássicas do parque nacional também estão incluídas nos tours locais. Quando cansar de tomar sol na gostosa praia salobra de Atins, contrate um dos passeios de jipe até as Lagoas Verde (o nome já diz tudo) ou do Mário, cercada por vegetação intensa .
Há cerca de um mês, os moradores descobriram uma novidade, batizada de Lagoa da Capivara (não, não tem bicho nenhum ali). Olha, se me pedissem a ingrata tarefa de ranquear as mais belas dos Lençóis, certamente estas águas verdes e de visibilidade de mais de 10 metros seriam as favoritas.
Para visitar essas preciosidades naturais, hospedagens cobram R$ 50 por pessoa pelo serviço com jardineira e guia. Entre as mais indicadas estão o caprichado Rancho do Buna (ranchodobuna.com.br), com diárias desde R$ 110, e a Pousada Irmão Atins, onde o simpático Irmão - apelido mais divertido da viagem - cobra R$ 120 por um quarto gostoso, com rede na varanda e banheiro forrado de conchinhas.
Indescritível. A apenas cinco quilômetros do centrinho, na área chamada Canto do Atins, esconde-se a maior joia da região. Uma lagoa? Uma praia? Não, um camarão. Ou melhor, vários camarões, grandes, aromáticos, saborosos, grelhados na brasa. A graça está na textura que soa quase inédita ao paladar, misturando uma crocância incrível por fora e uma suculência farta por dentro.
A antiquíssima receita - um segredo de família - veio da mãe de Antonio e Luzia, que deu fama mundo afora aos crustáceos do Canto do Atins. Na minha mesa, havia franceses e alemães que souberam do lugar pelos guias Lonely Planet e Routard. O Restaurante da Luzia (restaurantedaluzia.blogspot.com.br) atrai turistas há mais de 15 anos - há oito, Antonio e sua mulher Magnólia, que trabalhava na cozinha de Luzia, abriram o Canto dos Lençóis (98-9146-7742), logo ao lado, servindo a mesma iguaria. Concorrência fraternal pode.
O preço, R$ 30 por pessoa, inclui arroz, feijão e uma farofa, tudo delicioso. Leve dinheiro ou cheque - ali não há nem eletricidade, quanto mais cartão de crédito. Talvez o único senão seja o transporte, já que as pousadas cobram até R$ 150 por grupo para levar e buscar de 4x4. Mas tudo é negociável. O acesso até Atins desde Barreirinhas pode ser feito por barco ou jardineira, ambos a R$ 50 por pessoa.
Crianças, idosos, casais apaixonados ou jovens de ressaca. A descida pelo Rio Formiga não desagrada a ninguém. Também, como pode dar errado uma atividade que consiste apenas em deixar-se levar pela suave correnteza deitado em uma boia? Para completar a paisagem, ou justificar ainda mais o passeio, águas translúcidas com um tom amarelado contrastam com robustos buritis que acenam das margens.
A brincadeira começa na vila de Cardosa, a uma hora de jardineira de Barreirinhas. Um parênteses: muitas agências chamam erroneamente o rio de Cardosa, mas todas trazem para este mesmo lugar. Após aplicar um filtro solar potente, todos para a beira do rio.
Algumas agências oferecem boias modernas, com forro e alça, enquanto outras apostam na boa e velha câmara de pneu de caminhão. O que não faz muita diferença. Um instrutor desce nadando e acompanhando cada grupo, de cerca de 10 pessoas. O tour custa, em média, R$ 50, com transporte.
É emocionante? Não. Tem corredeiras? Não. E adrenalina? Também não. Talvez seja pela transparência do rio que o passeio valha a pena. A integração com a natureza é total. Entre uma curva e outra, um rolamento para o lado para se refrescar - depois de algumas tentativas aprende-se a subir na boia sem muito esforço. A mata poucas vezes se fecha e o calor é intenso. Um chapéu ou boné ajudam.
Entre uma braçada e outra, além de tirar eventuais atolados nos remansos, o guia tranquiliza os inexperientes. Ao meu lado havia uma falastrona turista paulistana que, apesar de não saber nadar, não se deixou levar pelo medo graças à atenção que recebeu.
Pouco mais de uma hora depois, o tour chega ao fim numa pequena praia com remanso. Pertinho dali, como em toda boa atração turística, um quiosque vende castanha de caju e uma deliciosa tapioca (R$ 3) feita com farinha de mandioca plantada ali mesmo. Antes de voltar, uma caipirinha (R$ 3) aplaca o calor e deixa os bancos da jardineira mais confortáveis.
Caminhada leva a rincões inacessíveis em jardineira.
Nem só de 4X4 depende quem deseja conhecer a fundo os Lençóis Maranhenses. Caminhando é possível alcançar cantos onde as jardineiras não têm autorização para circular. A opção mais frequente costuma ser o trekking de 60 quilômetros, percorrido em três noites, saindo de Santo Amaro até Atins ou vice-versa.
Os pernoites são realizados em pequenas vilas que já existiam muito antes de a área ser denominada parque nacional, como Betânia e Queimada dos Britos. Com o vento, a areia mantém uma temperatura razoável e não chega a queimar os pés.
Quem já fez a travessia garante tratar-se de uma experiência visceral, única e muito marcante.
Seja para alcançar a vila de Santo Amaro ou Atins, será necessário deslocamento em jardineira. Agências como a Rota das Trilhas (rotadastrilhas.com.br) e Encantes do Nordeste (encantesdonordeste.com.br) customizam roteiros com agilidade. Custa em torno de R$ 150 por dia.
Rota das Emoções.
O nome dado ao trecho que engloba os litorais do Maranhão, Piauí e Ceará faz todo sentido quando se está diante das maravilhas naturais reservadas para este pedaço da costa brasileira. Roteiro turístico com cerca de 700 quilômetros, que passa por 14 municípios dos três Estados, a Rota das Emoções costuma ser percorrida em, no mínimo, cinco dias.
Alguns pontos de parada obrigatórios constam na lista de todos os turistas que a encaram, sendo os três principais Lençóis Maranhenses, Delta do Parnaíba e Jericoacoara. Praias indescritíveis, rios majestosos e o terceiro maior delta oceânico do mundo estão no caminho. O ótimo rotadasemocoes.com.br tem mais informações.
No começo ou no final da viagem, você deve passar pelo aeroporto de São Luís, a 260 quilômetros de Barreirinhas. Um dia e uma noite na cidade podem ser bem agradáveis para percorrer o centro histórico, que, apesar de degradado, ainda guarda belíssimos azulejos. O Museu Histórico e Artístico revela a trajetória ilustrada do Estado e o mercado da Casa das Tulhas garante o souvenir
Você só anda de chinelo, mas irá comer em ótimos restaurantes. Ao entardecer, o pôr do sol na duna é o ponto de encontro oficial de Jericoacoara. Muito procurada por praticantes do kitesurfe, reúne atrações como a Pedra Furada e as lagoas Azul e do Paraíso
Visto de cima, o encontro do Rio Parnaíba com o Oceano Atlântico lembra um quebra-cabeça gigante, sendo as peças as 75 ilhas do Delta do Parnaíba. Abriga mangues e igarapés com farta biodiversidade, como os lindos guarás vermelhos, que lembram flamingos. Prova de que, apesar de pequeno, com apenas 60 quilômetros, o litoral do Piauí merece a visita.