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quinta-feira, 27 de junho de 2013

Vem pra rua, não pra estrada - MARTHA MEDEIROS

    Todos estão opinando sobre as manifestações que vêm ocorrendo no país. Tenho pouco a acrescentar: concordo que veio em boa hora esse alerta de que não somos tão acomodados, e ao mesmo tempo lamento que ignorantes promovam a destruição do patrimônio público e privado, desviando a atenção do que realmente importa nesses protestos. 
    Afora chover no molhado, venho sugerir uma reflexão sobre os locais de agrupamento. A rua sempre foi o lugar ideal para se manifestar: em grandes avenidas e praças, alcança-se o impacto pretendido. Com toda a população por testemunha, saímos a pé em direção à casa da presidente, dos governadores e dos prefeitos para dizer de viva voz que não toleramos mais a corrupção e o alto custo de vida. O trânsito de carros é redirecionado e ninguém perde sua liberdade de ir e vir. É legítimo e eficiente. 

    Mas interromper rodovias é outra coisa. Compreendo (sem apoiar) que moradores que vivam às margens de uma estrada a interrompam momentaneamente para chamar a atenção para o número excessivo de acidentes e atropelamentos que ali acontecem, exigindo melhor sinalização. É uma reivindicação relacionada diretamente ao local do protesto. Porém, no caso das manifestações de massa que clamam por direitos diversos, interromper as ligações de acesso à cidade é um ato de vandalismo também. É povo x povo. Não faz sentido. 
    Cidadãos trabalham e estudam em outras localidades, precisam trafegar entre os municípios, cumprir seus compromissos. Pessoas viajam para visitar parentes, realizar cursos, fazer consultas em hospitais: não é justo que fiquem presos por um longo tempo dentro de um veículo sem condições de conforto, higiene e alimentação. 
    Há idosos ali, doentes, crianças, mulheres grávidas. Sem falar no transporte de carga, que fica impedido de abastecer nossas metrópoles. Interromper uma estrada é criar constrangimento e promover um prejuízo a quem, em vez de se aliar a nós, se torna uma vítima. Ela é penalizada da mesma forma que os donos dos estabelecimentos destruídos por vândalos. 
    Quando o povo se manifesta, ele faz em nome da liberdade também. A liberdade de escolher quais são suas causas, a liberdade de se unir com quem defende o mesmo que ele e de voltar para casa na hora que quiser, com segurança. A liberdade de gritar palavras de ordem, cantar o hino, levantar cartazes, usar as roupas que melhor traduzem sua indignação ou esperança, enfim, exercer plenamente sua cidadania. 
    A maioria dos jovens está pensando no seu futuro, mas também construindo um passado: querem, daqui a 20 anos, se orgulhar de terem feito parte disso. Aderem ao movimento para, entre outras coisas, dar um sentido à própria vida. É um objetivo maior e mais nobre do que simplesmente aporrinhar por aporrinhar. 
    A rua é uma arquibancada democrática. Mas interromper a liberdade de deslocamento do outro é uma tirania que diminui o tamanho do gigante que acordou.

Do Zero Hora (26.06.2013)