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domingo, 19 de maio de 2013

Reinventando o real - FERREIRA GULLAR



Uma das qualidades de Newton Rezende é seu domínio da linguagem pictórica e do desenho
    Saio fascinado da exposição de Newton Rezende, no Centro Municipal de Arte Hélio Oiticica. Organizada por Leonel Kaz, essa mostra, que reúne dezenas de obras do artista, é uma oportunidade oferecida aos amantes da pintura para conhecer uma das mais belas e criativas expressões da arte brasileira.
    É impossível com palavras dizer o que essa pintura diz, mas a verdade é que, cada vez que me debruço sobre ela, descubro coisas novas e surpreendentes que não tinha visto antes.
    Isso aconteceu de novo. Um dos quadros ali expostos --"Noiva em Campo Santo"-- me fez redescobrir o universo pictórico desse artista.
    Ele nos mostra a figura de uma suposta noiva estendida no chão de um impossível cemitério. A figura é particularmente impactante porque, longe de uma cópia realista, mais lembra uma caricatura de noiva, mas impregnada de poesia e sarcasmo.
    Isto é, porém, o que se percebe no primeiro momento, porque logo nos perguntamos que campo santo é esse, no qual a noiva está deitada. Aí então percebemos que o fundo do quadro --que seria o chão do campo santo-- é constituído de uma infinidade de elementos, ou desenhados ou colados, que vão desde retalhos de jornal ou revista, figura de gente ou de insetos, numa tessitura de realidade e delírio.
    Esse quadro da noiva não é uma exceção. Há muitos outros em que a noiva aparece nas mais diversas circunstâncias e aparências, mas sempre tratada com a mesma entrega e minúcia obsessiva. Mas há quadros em que não, como "O Quarto Cor-de-Rosa", de composição clara e realização despojada. E é impressionante a capacidade que tem esse artista de lidar, magistralmente, com valores pictóricos tão diversos.
    Fora isso, podemos observar em sua obra duas vertentes distintas: a temática das ruas e a temática do interior das casas, ambas plenas de rica diversidade e concepção inesperada. Observe-se a série das barcas, cheias de indivíduos cuja expressão patética torna-os inesquecíveis.
    Um dos aspectos característicos da obra de Newton Rezende são precisamente as séries. Raros serão os motivos que nela surgem apenas excepcionalmente.
    É que ele se apegava a cada tema --que era uma descoberta-- e se entregava a explorá-lo apaixonadamente: assim são os blocos carnavalescos, os morros cobertos de casebres, como também os quadros que nos mostram a intimidade das alcovas, com mulheres seminuas deitadas na cama, num misto de sensualidade e morbidez, como a nos advertir que sexo e morte são parte de uma mesma realidade.
    Há, sem dúvida, certa morbidez em muitos dos quadros de Newton Rezende, mas misturada a um encantamento, que se traduz em detalhes inesperadamente vibrantes de cores, em figuras de miúdos bichinhos, de insetos, misturados à fotografia de gente colada junto. Ora são flores que desabrocham junto a crânios humanos ou moedas coladas na tela, como a nos dizer que o que vemos ali não é o mundo real e, sim, um universo inventado, composto arbitrariamente, numa outra lógica que a da vida comum.
    Uma das qualidades de Newton Rezende é seu domínio da linguagem pictórica e do desenho. A sua é uma pintura de pintor e desenhista, como o demonstram os trabalhos que são apenas desenho branco sobre papel. Parece que tais trabalhos, de grande tamanho, têm o propósito de nos querer mostrar que não apenas das cores vive sua arte e que, sem elas, pode alcançar densidade e beleza.
    É o que se constata na série de desenhos ali expostos. Acrescente-se ainda que o desenhista, sempre presente em cada um de seus quadros, é um dos fatores constitutivos da originalidade que os distingue. Se comparamos sua pintura com a de outros artistas figurativos, veremos que, na dele, o desenhista está permanentemente perturbando o pintor, disputando com ele.
    Newton Rezende se tornou pintor e começou a pintar num período em que nomes como os de Guignard, Di Cavalcanti, Portinari e Pancetti dominavam o cenário artístico do país. Sobreviveu a eles e imprimiu à arte brasileira uma qualidade técnica e uma riqueza onírica raramente alcançada antes ou depois dele.

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Na crônica anterior, afirmei que Cristina Kirchner havia comprado a única empresa que produz papel de jornal na Argentina. Enganei-me: ela ainda não conseguiu comprá-la, mas não desiste.
Da Folha