As festas e a ressaca
Jomar Moraes
As festas pelos 400 anos de São Luís começaram
e, segundo li, estender-se-ão por todo o mês de setembro, cumprindo uma
programação intensa e de conteúdo exclusivamente musical. Programação eclética,
isenta de preconceitos em relação a esta ou àquela tendência musical. Não fui
pessoalmente assistir a nenhum desses shows aptos a entrar na história, segundo
assegura anúncio repetido à exaustão. Apesar disso, venho acompanhando tudo com
tão vivo interesse, que julgo achar-me suficientemente informado acerca do
principal que ultimamente aconteceu na cidade quatrocentã, marca temporal que
ainda representa muito na história de nosso jovem país, sobretudo de nossa
região, que funcionou como porta de acesso aos pioneiros da colonização que
daqui partiram para fundar Santa Maria de Belém do Grão-Pará e as numerosas localidades
situadas antes e depois desse percurso realizado com excepcional intrepidez,
ousadia e sacrifícios, inclusive e principalmente de vidas humanas.
Todos esses memoráveis feitos
de redivivos argonautas em demanda de utópicos eldorados e de oníricos
veloninos de ouro atingiram lances paroxísticos mais de um século depois da
chegada de Cabral à Bahia. Prova do que afirmado é Belém, a primeira e mais
importante capital da região Norte, cujo quarto centenário de fundação, com
vasta e consistente programação comemorativa desde agora estabelecida e em fase
de prévia execução, segundo estou seguramente informado, ocorrerá em 2016, logo
nos primeiros dias, pois foi a 12 de janeiro de 1612 que a expedição saída de São
Luís a 25 de dezembro do anoantecedente aportou onde hoje se ergue a capital
marajoara, levando a bom termo a jornada empreendida sob o comando de Francisco
Caldeira de Castelo Branco.
Voltando às nossas festas:
pela extraordinária importância da data, que representa um marco histórico na
vida de todos quantos gozam do raro, do singular privilégio de testemunhar o
transcurso do quarto centenário da cidade em que nascemos ou da qual somos
filhos adotivos, custa-me acreditar que as justas manifestações de júbilo, de
especial contentamento por esse raro aniversário de São Luís resumam-se àquele
chochotatalar de bandeirolas no alto dos postes da ponte sobre o Anil, a
foguetórios, shows musicais importantes e necessários, reconheço, porém não
suficientes nem à altura do que deveriam ser as comemorações alusivas aos 400
anos da fundação de uma cidade qual São Luís do Maranhão, alçada às
culminâncias de patrimônio da Humanidade.
O ecletismo musical que fez
trazer à nossa cidade a Orquestra Sinfônica Brasileira e que lhe proporcionou a
enriquecedora oportunidade de atuar conjuntamente com cantadores de bumba meu
boi, cantores da melhor música popular maranhense e grupos corais, produziu excelentes
resultados no plano da integração criativa. E cabe igualmente reconhecer que
vieram ao encontro dos diversificados gostos do público, desde intérpretes
exponenciais da melhor música popular brasileira, a DJs de todas as tendências,
grupos parafolclóricos, e gente do mundinho brega, que vai do meloso ao
escrachado. Tudo isso foi bom e necessário, repito. Mas não o suficiente para
compor a integralidade da programação festiva do IV Centenário da Fundação de
São Luís, afirmo e repito.
Como acredito que ninguém
ignora, todo e qualquer evento que de si mesmo nasce e que em si mesmo tem sua
razão de ser, é evento que é vento. Dura enquanto acontece e logo, logo se
desfaz, na evanescência das coisas que passam, e cuja lembrança se esmaece com
o correr do tempo.
Por tudo isso, falando
sinceramente, não acredito que as comemorações pelo IV Centenário de São Luís
hajam terminado. Estou certo de que algo de importante e capaz de servir para
perpétua memória desta data, ainda virá. É claro que dois ou três livros
lançados, têm qualidade intrínseca e extrínseca para figurar entre os marcos
comemorativos da data. Mas nenhuma de tais publicações é devida iniciativa oficial.
Curiosa e inusitadamente, neste ano, nem mesmo o Concurso Literário e
Artísitico da Cidade São Luís foi lançado. Esse certamente, que vem sendo
realizado há décadas seguidas pela Prefeitura e que ultimamente tem seu prêmio
modesto pago com grande atraso, casos havendo de premiados que até hoje lutam na
justiça para receber seus minguados caraminguás, este ano, nem seu sousa.
Talvez porque a cidade está completando 400 anos, época imprópria para realizar
concursos literários e também feira de livros, que os mais céticos ou realistas
afirmam que não haverá.
Para uma cidade com as
honrosas tradições de inteligência e cultura letrada que inegavelmente já
exornaram a história de São Luís, é imperativo reconhecer que estamos em plena
e desastrosa decadência. E tanto é assim, que até pessoas que se apresentam como
professor, não sabem patavina do que se atrevem a falar em público. Tal é o
caso da lamentável ressaca produzida pelas festas da temporada, ressaca essa a
que o título desta matéria faz expressa referência.
Justamente em um programa de
TV, levado ao ar na última sexta-feira e inteiramente dedicado ao aniversário
da Cidade, a transcorrer no dia seguinte, sábado, um cidadão de cujo nome não
me quero lembrar, como diria Jorge Luís Borges, surgiu no vídeo, em pose de compenetrado
"magister dixit", para, pretensamente, corrigir um erro histórico por
muitos cometido relativamente ao topônimo que batizou nossa cidade.
Segundo o enfatuado paspalhão,
postado à frente de um rarefeita fileira de livros, o nome da capital
maranhense não lhe foi atribuído como homenagem ao rei-menino Luís XIII (1610-43),
contando à época apenas dois anos, mas a Luís IX, porque este foi o único
monarca francês a ser canonizado.
Ignora o sabichão de araque os
usos do tempo, quanto à nominação toponímica.Os portugueses, que então se
achavam sob o domínio da eufemisticamente chamada União Ibérica, ao expulsarem
daqui os franceses, pretenderam dar ao Fort Saint Louis o nome de Forte de São
Filipe. A pretendida e gorada denominação era homenagem a São Filipe ou a
Filipe III de Espanha e II de Portugal? É claro que ao soberano espanhol, que
então também reinava sobre os lusitanos.
E se tudo quanto exposto ainda
é pouco, que fale uma testemunha das mais autorizadas, porque testemunha
presencial dos fatos. Refiro- me a frei Claude d'Abbeville, integrante da
missão religiosa da França Equinocial e primeiro cronista dessa aventurosa
empresa. Diz ele em sua "História dos padres capuchinhos na Ilha do
Maranhão e terras circunvizinhas (Brasília: Edições do Senado Federal, 2008;
trad. de Sérgio Milliet), capítulo XIII, parágrafo final: "Erguida a cruz,
como já disse, foi também benzida a Ilha, enquanto dos fortes e dos navios muitos
canhonaços se disparavam em sinal de regozijo. O Sr. de Razilly deu ao forte o
nome de Forte de São Luís, em memória eterna de Luís XIII, rei de França e de
Navarra".
Os efeitos da ressaca se
propagaram. Sábado à noite, o Jornal Nacional repercutiu para o Brasil,
repetindo o bestalhão do tal professor: São Luís faz hoje 400 anos de fundada,
e deve seu nome ao rei Luís IX, o santo. Os que, Brasil afora, nada sabem do
assunto, aprenderam erradamente. Quanto aos que sabem das coisas, até hoje
estarão rindo de nossa ignorância.
De O Estado do Maranhão