De fora do "Faróis no Caos", livro de Ademir Assunção, a entrevista com Raul Seixas feita pelo jornalista em 1987 publicada no Caderno 2 do Estadão em 20 de fevereiro daquele ano é antológica. Sem autorização dos herdeiros de Raul a entrevista deixou de fazer parte do livro, mas está na rede. O texto foi publicado com o
título original “Eu não quero ser Tancredo”. Raul Seixas morreu em 19 de agosto de 1989.
Confira a entrevista de Ademir Assunção com Raul:
Neste
seu novo disco, Uah-bap-lu-bap-lah-béin-bum, você está dizendo que
parou de andar na contramão. Raul Seixas está cansado de ser
rebelde?
Não,
não cansei de ser rebelde, não. Nunca vou cansar de ser rebelde. Na realidade,
continuo com o espírito da Sociedade Alternativa dentro do meu coração, certo?
Porque é uma posição política, metafísica, ontológica. É como essa música que
está tocando agora (refere-se à canção “Cowboy fora da
lei”). Eu não quero ser cowboy, não quero ser John Wayne, não
quero ser John Lennon, que morreu. Não quero ser aquele menino que morreu, como
é que chama... nosso amigo, que ia ser prefeito... não, que ia ser presidente da
República...
Tancredo?
Tancredo.
Essa música é feita para o Tancredo... Então, estou me afastando dessa
zorreta.
(...)
Quando
você começou a cantar, a compor, o rock estava explodindo na América do Norte.
Era uma coisa que assustava a sociedade. Na época, era o grito da juventude que
estava descontente com as coisas. Hoje, o que assusta são as pessoas que não
fazem rock. Todo mundo faz rock hoje...
Não,
o rock’n’roll morreu em 1959.
Morreu em 1959. Mas que loucura! Morreu em 1959, aí virou twist, Chubby Checker, aquela
gordinha... Mas não é mais rock’n’roll. Rock’n’roll foi um movimento. Rock’n roll foi um todo, uma maneira
comportamentista. E muito bonita. Não era só uma música. Era uma maneira de
cuspir o chiclete fora. Eu estava assistindo outro dia Vidas amargas,
com James Dean... Bicho, aquilo é forte pra caralho. Ele cuspia mesmo no
chão.
E
a sua ligação com o rock’n’roll já
vinha...
Desde
os nove anos de idade.
Nessa
idade você já cuspia o chiclete fora?
Já
cuspia o chiclete. Já. Tutti-frutti.
De
hortelã você não gostava?
Não,
não gostava. Tutti-frutti.
(...)
Você
passou vinte anos alimentando a revolta de muita gente que não estava gostando
do mundo em que estava vivendo. Hoje, numa letra deste seu novo disco você diz
que fez um checape geral, o que
te levou a ler Alice no País das Maravilhas. O que
mudou?
Ao
contrário. Continuo fazendo a mesma coisa. É só que as palavras é que mudam. Não
se enganem. Vou morrer fazendo isso.
Você
tem fé em grandes mudanças?
Sim.
O
rock ainda é um dos grandes pavios dessas mudanças?
Vai
ser sempre. E eu estou fazendo a capa do disco exatamente... aquelas capas de
rock maluco. Aquelas porras de rock maluco. Ao-lou-em-lou-bin-bin-in-inhéim.
Boto pra foder. E o rock meu... é uma coisa... Sou professor de filosofia,
certo? Me formei em filosofia. E estudei latim pra aprender a ler Ovídio. E sou
professor de inglês... shakespeariano... Cheio de cultura, né? Cheio de
viadagem. Isso me deu tantos critérios de valores. Não me arrependo nem um nada.
Do blog Espelunca, de Ademir Assunção