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sexta-feira, 22 de junho de 2012

Sem entalar - Ruy Castro

RIO DE JANEIRO - O ex-presidente Lula está saindo de um difícil tratamento contra um tumor na laringe, em que se submeteu a muitas sessões de rádio e quimioterapia.
    Por sorte, não precisou passar por uma cirurgia, mas o rigor dos procedimentos é evidente. Sua histórica barba, por exemplo, está sumida, e não por sua opção -ela deixa de crescer na área atingida pela radiação. Mas o pior é a dor que, segundo o noticiário, ele continua a sentir para engolir sólidos e mesmo água ou saliva.
    A rádio provoca também a destruição de glândulas salivares, o que leva à boca seca. Esta dificulta a fala (obriga a ter sempre um copo d"água à mão, para umedecer os lábios e a língua) e, de novo, a deglutição. Uma consequência desse tratamento é o permanente risco de o paciente entalar com alimento que tenha engolido sem mastigar direito -quase sempre, carne.
    Daí a surpresa diante da atitude de Lula ao se aliar ao deputado Paulo Maluf (PP-SP) em prol de seu candidato à Prefeitura de São Paulo, Fernando Haddad. Não pela aliança em si -afinal, Lula já acomodou figuras como Fernando Collor e José Sarney em seu cardápio-, mas pela aparente facilidade com que, ao contrário de água ou saliva, ele conseguiu fazer o ex-arqui-inimigo lhe descer pela glote.
    Vê-se que, em nome de seu projeto político, Lula consegue engolir até um bife de Tiranossaurus rex. Se isso é um crédito à sua capacidade de recuperação, talvez seja mais difícil de ser assimilado pelas pessoas que sempre acharam Maluf intragável e não têm o estômago de Lula.
    O tratamento do ex-presidente, ao contrário do que dizem, ainda não terminou. É importante chegar intacto ao fim do primeiro ano, no qual o risco de recidiva, inclusive nos órgãos próximos, é sempre maior. Mas, pelo menos em termos políticos, Lula sente-se imune a contaminações.
Da Folha