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domingo, 18 de março de 2012

Anti-Bauhaus - Ferreira Gullar

Ninguém permanecerá indiferente ao visitar a exposição dos irmãos Campana, no Centro Cultural Banco do Brasil, no Rio.
    Trata-se de uma retrospectiva que é, ao mesmo tempo, a seleção do que de melhor realizaram entre os anos de 1989 e 2009, quando esses trabalhos foram expostos noVitra Design Museum, de Weil am Rhein, na Alemanha.
    Ela se intitula "Anticorpos" e reúne peças de mobiliário, joias, instalações e obras de artes plásticas, numa rara demonstração de criatividade e audácia. Vendo-os, entende-se por que Fernando e Humberto Campana se tornaram nomes conhecidos e prestigiados no âmbito do design industrial.
    Nascidos no interior de São Paulo -Humberto em Rio Claro, em 1953 e Fernando em Brotas, em 1961- ainda que um deles se tenha formado em direito e o outro em arquitetura, os dois deveriam se juntar, um pouco mais adiante, para constituir uma dupla voltada prioritariamente para o desenho de móveis e onde se revelariam excepcionalmente audaciosos e inventivos.
     Embora sejam hoje conhecidos internacionalmente, ainda poucos os conhecem no Brasil. Basta dizer que levaram uma década, após esse reconhecimento, para ter uma primeira peça de sua autoria reproduzida aqui.
    Na verdade, foi na Itália -para onde se haviam transferido no final da década de 80- que desenvolveram o trabalho de designers e obtiveram reconhecimento.
    Ao que se sabe, uma luminária, intitulada "Estela", que expuseram em 1997, em Milão, bastou para lhes conferir posição de destaque na indústria italiana de design. Aqui, isto seria impossível, mesmo porque, naquela época, a presença do design no circuito de arte no Brasil era praticamente nenhuma, conforme observou Ana Weiss.
    Ao contrário disso, a Itália -particularmente, Milão-, a partir de meados do século 20, tornara-se um dos campos mais propícios ao desenvolvimento artístico e mercadológico desse tipo de arte.
    A exposição dos irmãos Campana, no CCBB, surpreende e encanta pela originalidade e riqueza das peças expostas, tanto pela variabilidade dos materiais utilizados (ou reutilizados) -que vão de cordas, cabos de plástico, madeira, borracha, pano, papelão- como pelo inusitado da concepção formal das obras expostas, sejam poltronas, cadeiras, mesas, camas ou luminárias, sem falar em objetos aparentemente sem qualquer função prática.
    Mas o que essa exposição particularmente me revelou (ou me fez descobrir) foi uma inesperada relação, hoje, entre o design e a chamada arte contemporânea. Começa pelo fato de que ambos abandonaram as normas e os limites que os caracterizavam antes, no começo do século 20.
    É interessante observar que, naquele momento, enquanto no âmbito das artes plásticas procedia-se à desintegração das linguagens estéticas, a Bauhaus, no campo do desenho industrial, redesenhava o mobiliário, substituindo o decorativismo superficial e excessivo mau gosto por formas limpas, determinadas pela estrita funcionalidade. E essa tendência se manteve por décadas, com poucas alterações.
    Enquanto isso, as artes plásticas -à exceção da pintura geométrica que geraria o concretismo- seguindo a tendência anti-arte de Duchamp, abandonavam os suportes tradicionais e partiam para criar instalações e promover happenings.
    Em consequência disso, uma parte da arte conceitual, passou a valer-se de toda e qualquer coisa ou material, para expressar-se, optando, em geral, pelo chocante e pelo deliberado mau gosto, que a caracterizaria como anti-arte.
    Nada disso se encontra no que nos mostram Fernando e Humberto Campana. O que os aproxima da arte contemporânea é o descompromisso com quaisquer normas estéticas pré-estabelecidas. No caso deles, porque se trata de criar objetos funcionais -como poltronas ou luminárias ou cadeiras ou camas- em certos momentos essa funcionalidade é desconsiderada.
    É quando a expressão se sobrepõe à função ou a subverte. Mas como, ainda assim, a poltrona continua poltrona -já que sua forma se mantém reconhecível-, escapa à arbitrariedade que caracteriza a arte conceitual. Pode-se dizer que eles são anti-Bauhaus mas não anti-arte.
 Da Folha de S. Paulo