"Como pode se falar da Ilha do Amor sem falar em José Sarney? É como falar na Bahia e não falar em Jorge Amado", dispara Zé Lopes, compositor de Pedreiras, em Cartas ao Dr. Pêta, na publicação deste domingo do Jornal Pequeno.
Lopes foi um dos que figurou na farsa da participação do Maranhão no concurso de samba-enredo da Beija-Flor de Nilópolis. Como ufanista desmiolado, achava que poderia derrotar os compositores da comunidade e da ala de compositores da escola de samba do primeiro time no Rio de Janeiro. Mina a própria ilusão com acusações de nepotismo, como se no estado sob tutela do grupo Sarney não fosse essa a prática mais natural que embota quase coletivamente o olhar crítico do artista.
Nutria ainda sua agridoce ilusão o fato de ter participado e ficado entre os selecionados de um nebuloso concurso (que ele qualifica de belo) promovido pelo governo do estado do Maranhão, patrocinador da escola. Mais uma vez, inebriado pelo ufanismo e pela vaidade inerente à alma maranhense, Zé Lopes não avaliou que tudo não passava de uma armação para que "nos" sentíssemos incluídos na escolha da governadora. Foi Roseana Sarney que ofereceu o patrocínio a Beija-Flor, como disse Laíla em entrevistas.
O hermetismo levado pela Beija-Flor para o sambódromo sob o tema "São Luís, poema encantado do Maranhão" ressaltou os traços negros mais nítidos da cultura enraizada na ilha e que resistem ainda nessa mata de tantos bichos e barricas. Desfilou fantasmas de complexidade imensurável para quem exerga apenas na superfície. Se não ganhou, não mereceu. É a lógica dos concursos, referendado pela anuência popular. Fosse campeã, a Beija-Flor daria a Roseana o estandarte de ouro como rainha do Maranhão e ad infinutum tema de samba e toadas de compositores mercenários.
Zé Lopes e seus companheiros do mise-en-scene, em silêncio bovino, aceitaram ficar em hoteis de enézima categoria no Rio de Janeiro, enquanto o Maranhão passava parte do minguado orçamento do estado para a rica Beija-Flor. Agora quer regurgitar o acordo espúrio acatado por parcela de sua categoria profissional.
Nos governos do grupo Sarney, cultura tem logomarca. Existe até mesmo um cast movido pelo calendário oficial. São artistas sazonais, porém, bissextos em manifestações de independências. Basta ir ao prédio da Rua Portugal para flagrar nos corredores os cordões que aguardam o secretário como este fosse o Grande Irmão orwelliano.
Impulsionados pelo erário, escamoteiam a decantada diversidade, limitando suas criações aos dois eventos proeminentes do calendário. A métrica está circunscrita aos recursos do carnaval e dos festejos juninos. Fora disso, não há salvação.
Jorge Amado foi um escritor a serviço do stalinismo, opositor da ditadura do Estado Novo, que teve retirado das livrarias o livro "O cavaleiro da Esperança", sobre a vida do comunista Luís Carlos Prestes, após o golpe de 1964. São temas muito diferentes dos piocos que encucam Zé Lopes a ponto de não discernir trajetórias e clamor popular.
Falar de cultura em São Luís do Maranhão é falar dos Sarney, já que são eles que comandam as instituições no estado, das entranhas da academia dos imortais à camaradagem judiciária em fotos muticoloridas das colunas sociais.
Agora, duvido que o compositor de Pedreiras recite de memória um poema do bardo do Senado ou entoe trecho qualquer de um dos títulos dos romances do político mais antigo do Congresso Nacional. Aos simples joões da rua da Golada, nem imaginar tal façanha. Ainda bem que a reverência de Zé com "seu" José não se alastra ao público consumidor da cultura popular que "eles" imaginam ser uma mera manada.