domingo, 29 de maio de 2016

O Globo desvenda façanhas criminosas de Waldir Maranhão



  • JULIANA CASTRO Enviada especial juliana.azevedo@oglobo.com.br RUBEN BERTA rberta@oglobo.com.br

Presidente interino da Câmara fraudou contas eleitorais

Waldir Maranhão declarou à Justiça ter financiado parte de sua campanha em 2010 com a venda de sua casa em São Luís, que continua em seu nome e onde mora até hoje

Para especialistas, há suspeita de um crime de falsidade ideológica para fins eleitorais, que pode levar a novo processo
Presidente da Câmara desde que Eduardo Cunha foi afastado, Waldir Maranhão (PMDBMA) disse ter doado para sua campanha em 2010 R$ 557 mil em recursos próprios, oriundos principalmente da venda de sua casa, por R$ 550 mil. Só que o imóvel jamais deixou de estar em nome do deputado e de sua mulher, que moram nele até hoje, como contam JULIANA CASTRO e RUBEN BERTA. O dinheiro do suposto negócio nunca entrou em sua conta e a casa voltou a ser declarada por Maranhão em 2014, o que pode configurar crime de falsidade ideológica, de acordo com especialistas. Alçado à presidência interina da Câmara após o afastamento do deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), no início do mês, Waldir Maranhão (PP-MA) mentiu à Justiça Eleitoral maranhense num processo de investigação de suas contas eleitorais, o que pode, agora, criar-lhe novos problemas jurídicos e agravar sua situação política — fragilizada a ponto de impedir que ele consiga presidir uma simples sessão ordinária sem ser alvo dos protestos de seus pares.
GIVALDO BARBOSA/9-5-2016Em 2010. Na declaração de bens, Maranhão disse ter R$ 16,5 mil em dinheiro, mas doou R$ 557,6 mil à própria campanha; recursos seriam de um empréstimo de R$ 98 mil e da suposta venda de sua casa
Para explicar os recursos arrecadados para a campanha de 2010, Maranhão informou à Justiça Eleitoral ter doado para si mesmo R$ 557,6 mil, ou 68% do custo total. No processo aberto para apurar possíveis irregularidades na prestação de contas, o parlamentar afirmou que vendeu sua casa, em um dos bairros mais nobres de São Luís. Mas, como O GLOBO constatou, o imóvel nunca deixou de estar em nome do deputado e de sua mulher, a pedagoga Elizeth Azevedo, eé o local onde o casal vive até hoje. De acordo com especialistas, o parlamentar pode ser alvo de uma ação criminal ou eleitoral por fraudar as contas de campanha.
Desde que assumiu a presidência interina da Câmara, Maranhão vive a insólita situação de não poder desempenhar suas funções. No capítulo mais surpreendente do processo de impeachment da presidente afastada, Dilma Rousseff, o deputado anulou na véspera a sessão de votação na Câmara, mas, poucas horas depois, voltou atrás. Sua atitude gerou revolta, e, desde então, ele vive sob os protestos de colegas, que já gritaram “Fora, fora, fora”, expulsando-o do plenário. Nos bastidores, há uma articulação para esvaziar os poderes do presidente interino.
Em 2010, Waldir Maranhão empregou R$ 821,7 mil em sua tentativa de se reeleger deputado, sendo R$ 557,6 mil de recursos próprios. Os números chamaram a atenção do Ministério Público Eleitoral (MPE) pelo fato de o parlamentar ter declarado possuir um patrimônio de apenas R$ 16,5 mil.
SUPOSTO COMPRADOR É ALIADO
Nos autos do processo sobre a prestação de contas, Maranhão argumentou que obteve empréstimo de R$ 98 mil do Banco do Brasil e que o restante veio da remuneração que recebeu ao longo dos anos como parlamentar e secretário de Ciência e Tecnologia do Maranhão, no governo de Roseana Sarney. Segundo a defesa do deputado, esse dinheiro não apareceu na declaração de bens à Justiça Eleitoral porque houve erro quando seu partido preencheu o registro de candidatura.
No entanto, diante da desconfiança dos promotores, Maranhão mudou a versão. Disse que, além do empréstimo, a renda veio também da venda de sua casa, no número 370 da Alameda Campinas, em Olho D'Água, por R$ 550 mil, a João Martins Araújo Filho. Chegou a apresentar uma promessa de compra e venda do imóvel assinada por ambos.
Os vínculos entre Maranhão e Martins não são poucos. Em dezembro de 2009, o parlamentar era secretário estadual de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, quando nomeou Martins para o cargo de superintendente de Educação Superior e Profissional. Em 2010, o suposto comprador da casa doou R$ 11 mil à campanha do deputado. Hoje, Martins preside a Comissão Setorial de Licitação da Secretaria de Cidades e Desenvolvimento Urbano (Secid) do Maranhão, órgão onde estão lotados outros seis doadores de campanha de Maranhão e duas irmãs do parlamentar.
A explicação não convenceu, e a Justiça Eleitoral desaprovou suas contas eleitorais. O Ministério Público entrou com uma representação pedindo a perda de seu mandato, pela não comprovação da origem de parte dos recursos financeiros arrecadados em 2010.
A defesa alegou que o pagamento pela venda da casa seria feito em três parcelas. No entanto, o sigilo bancário de Maranhão foi quebrado, e não havia nenhum repasse dos valores. Outra evidência da fraude é que o imóvel continua no nome do parlamentar e da mulher, conforme documento obtido pelo GLOBO no 1º Registro de Imóveis de São Luís.
Num primeiro contato, o advogado de Maranhão, Michel Saliba, alegou que a efetivação da compra no cartório é obrigação do comprador:
— O registro é só um detalhe. Hoje, os custos são muito altos, o que inibe as pessoas de fazer. Isso é algo que valeria, inclusive, uma reportagem. Mas, enfim, se o comprador não fez, não é culpa do deputado.
Porém, o próprio parlamentar voltou a declarar o imóvel à Justiça Eleitoral em 2014. Em um segundo contato, o advogado alegou não saber da informação e que pode ter havido um erro:
— O fato de constar na declaração pode ter sido um mero equívoco do contador.
O GLOBO foi ao número 370 da Alameda Campinas na última quarta-feira e, ao chegar lá, deparou-se com um Toyota Hilux 4X4, com a placa JHO-0934, de Brasília, estacionado em frente ao endereço. O veículo, com essa mesma placa, foi declarado por Maranhão na campanha de 2010, à época com valor de R$ 160 mil.
Ao pedir para falar com Maranhão ou a mulher, O GLOBO confirmou que os dois moravam no imóvel e foi avisado de que eles não estavam em casa. Um funcionário disse não saber a que horas os dois voltariam e anotou o número de contato do GLOBO. O presidente interino da Câmara e a mulher não retornaram.
Após inúmeros recursos, os promotores pediram, e o Tribunal Regional Eleitoral do Maranhão (TRE-MA) arquivou o caso em 2015 — não porque o deputado tenha provado a origem do dinheiro, mas porque o mandato dele já havia terminado em 2014. Sem mandato para ser cassado, houve perda de objeto. Por conta disso, o caso nunca chegou a ser julgado.
Procurado pelo GLOBO por e-mail, Maranhão não tratou das evidências de que prestou informações falsas à Justiça Eleitoral. Limitouse a dizer que não responde a processo:
“A assessoria de imprensa da presidência da Câmara informa que o presidente Waldir Maranhão não responde a qualquer processo no Tribunal Regional Eleitoral (TRE). Em sessão realizada em maio de 2015, o pleno do tribunal decidiu que a ação que pesava contra o parlamentar teve perda de objeto e, por isso, foi arquivada. O próprio MPE — autor da ação contra o parlamentar — admitiu a perda de objeto da ação, já que pedia a perda do mandato obtido em 2010”, diz a nota enviada pela assessoria.
Diante das evidências de que não houve a venda da casa, especialistas afirmam que o parlamentar ainda pode sofrer processos, mesmo depois de o TRE do Maranhão ter arquivado o caso. Para a procuradora Silvana Batini, professora da FGV Direito Rio, há suspeita de crime de falsidade ideológica para fins eleitorais:
— Mesmo que o documento (a promessa de compra e venda apresentada por Maranhão no processo) seja materialmente verdadeiro, a ideia que ele expressa foi inventada. Isso expressa o crime eleitoral de falsidade ideológica, com a pena de até cinco anos de prisão. Como ele é deputado federal, se ele fosse responder por esse crime, seria no Supremo Tribunal Federal, porque, independentemente da natureza do crime, ele vai responder sempre no STF — disse. Para Silvana, não caberia uma ação de natureza fiscal, porque, por jurisprudência do Supremo, só há crime de sonegação se a Receita Federal afirmar que houve sonegação; mas, como o órgão tem cinco anos para chegar a essa constatação, prazo que já passou, não haveria como processá-lo.
Para Eduardo Nobre, sócio fundador do Instituto de Direito Político e Eleitoral (IDPE) e advogado do escritório Leite, Tosto e Barros, apesar de o processo de 2010 ter sido extinto, se for comprovada a fraude, ainda pode haver consequências para o deputado:
— Se ele disse na declaração de 2014 que possuía um imóvel que havia declarado ter vendido em 2010, ele pode estar incorrendo, em tese, em falsidade eleitoral. É algo que pode ser levantado — afirmou o especialista.
Outra questão ressaltada por Nobre é uma possível implicação criminal:
— A divulgação de que há essas divergências nas declarações do deputado pode provocar o Ministério Público a abrir um inquérito para apurar um suposto crime fiscal. Pode ser pedida a quebra de sigilo do parlamentar para que possa ser verificado o que ele efetivamente declarou para a Receita Federal.
O GLOBO pediu ainda explicações a João Martins Araújo Filho, mas não houve resposta. A equipe do jornal encontrou-o em seu local de trabalho, mas ele se negou a falar sobre o caso.
— Eu não sou obrigado a dar nenhuma declaração para a imprensa — disse, expulsando O GLOBO de sua sala na Secretaria de Cidades e Desenvolvimento Urbano.

  • 29 mai 2016
  • O Globo
  • JULIANA CASTRO juliana.azevedo@oglobo.com.br

De reitor e político apagado ao comando da Câmara

O deputado que sempre se aliou a quem está no poder agora pretende chegar ao Senado

Em 2006, o então reitor da Universidade Estadual do Maranhão (Uema), o médico veterinário Waldir Maranhão, pegou alguns colegas de surpresa. Sem ter revelado suas pretensões políticas e há três anos no cargo, ele deixou o posto para concorrer a uma vaga de deputado federal na eleição daquele ano, com a bênção do então governador José Reinaldo (PSB). Desde então, sempre esteve ao lado de quem comanda o estado. Foi secretário de Roseana Sarney e hoje está com o rival dela, o governador Flávio Dino (PCdoB), fazendo indicações para cargos. Sua meta agora é conseguir o posto de senador da República nas próximas eleições gerais. Para isso, tem filiado candidatos a prefeito que, se eleitos, podem ajudá-lo a pavimentar o caminho até o Senado.
JULIANA CASTRONa beca. Foto do presidente interino da Câmara na galeria dos reitores da Universidade Estadual do Maranhão
Quem vê hoje Maranhão no comando da Câmara não consegue entender muito bem como ele chegou lá. No próprio estado natal, dominado pelos Sarney, o parlamentar era tido como um político apagado. Seguiu assim no Congresso, onde era do baixo clero. Maranhão tornou-se mais conhecido ao ser citado na Operação Lava-Jato e, depois, quando assumiu a Casa após Eduardo Cunha (PMDB-RJ) ser afastado.
Talvez o lugar onde Maranhão foi reconhecido desde sempre seja Lira, bairro paupérrimo de São Luís (MA), onde seu pai, João Batista, apelidado de Pinga Fogo, tinha uma padaria. Era lá que, de vez em quando, Maranhão batia ponto na juventude, atendendo os clientes, já com o bigode que usa até hoje.
— Ele é mais famoso aqui que banana — disse uma senhora, que conhece o deputado desde a juventude. — Ele era um menino bom. Depois, com essa coisa de política, a gente não sabe.
Até hoje, parentes do deputado moram por lá, mas nem isso o faz ter uma frequência maior no bairro. Quando está no estado, ele fica em Olho D’Água, região que em nada lembra a pobreza do lugar onde cresceu.
Há em Lira quem o chame de professor, profissão que exerceu na Uema antes de virar reitor. Aliás, o estado cobra do deputado R$ 370 mil (sem correção monetária) de salários que ele recebeu sem ter dado aula. Maranhão disse que devolveria os recursos, mas pediu que isso fosse feito de forma parcelada.
Antes de cursar Medicina Veterinária na Uema, o deputado estudou no Liceu Maranhense. Pelas salas de aula da instituição, criada em 1838, já passaram nomes como o poeta Ferreira Gullar, a cantora Alcione e políticos como os ex-governadores do Maranhão Roseana Sarney e Jackson Lago. Foi na escola — a segunda mais antiga do Brasil, atrás apenas do Colégio Pedro II, de 1837 — que o ex-presidente José Sarney começou a militância política, no grêmio estudantil.
O GLOBO teve acesso aos boletins do presidente interino da Câmara que demonstram que ele era um aluno inconstante, com notas que variavam de 5,3 em português, na 7ª série do ensino fundamental, a 9,6 em química no 2º ano do ensino médio. Essa inconstância Maranhão demonstrou ao anular as sessões do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff para, horas depois, voltar atrás.
  • 29 mai 2016
  • O Globo
  • rberta@oglobo.com.br RUBEN BERTA

Secretária de Cidades trabalhou para maior doadora do deputado

Empresa foi responsável por 40% do arrecadado por Maranhão em 2014

Além da nomeação de duas irmãs e de seis doadores de campanha do deputado Waldir Maranhão (PP-MA) na Secretaria de Cidades e Desenvolvimento Urbano (Secid), revelada pelo GLOBO no último domingo, a própria presença de Flávia Alexandrina como titular da pasta reforça o feudo criado pelo parlamentar em seu estado. Antes de assumir o cargo, Alexandrina trabalhou como consultora da Amorim Coutinho Engenharia e Construções. A firma foi a maior financiadora do presidente interino da Câmara nas eleições de 2014: contribuiu com R$ 300 mil, cerca de 40% do total recebido (R$ 755 mil).
A doação a Maranhão foi a única realizada pela Amorim Coutinho nas eleições de 2014. Além de doadora de Maranhão, a empresa também tem forte ligação com outro político de peso no estado. O sócio administrador da firma é Antonio Augusto Araújo Coutinho Filho, sobrinho do atual presidente da Assembleia Legislativa do Maranhão, Humberto Coutinho (PDT), ex-prefeito da cidade de Caxias (MA).
A própria assessoria da Secid confirmou que Alexandrina trabalhou para a Amorim Coutinho por um ano, antes de assumir seu posto atual. Foi entre agosto de 2013 e o mesmo mês de 2014. Em nota, alegou, porém, que a consultoria foi feita sem vínculo empregatício. “Devido à sua larga experiência na gestão de programas de habitação, a Sociedade de Programas Específicos (SPE) Cidade Nova, da qual faz parte a Amorim Coutinho com outras quatro empresas, contratou Flávia Alexandrina como consultora, sem vínculo empregatício, para gerenciamento da contratação de projeto habitacional junto ao Banco do Brasil”.
Alexandrina foi funcionária de carreira da Caixa, até se aposentar em 2013. A secretária afirmou em nota que “desconhece existência de doações a candidatos, inclusive ao deputado Waldir Maranhão, já que nunca teve envolvimento político-partidário”.