segunda-feira, 28 de março de 2016

Cultura do medo

ATILA ROQUE
A lei 13.260/ 16, que institui o crime de terrorismo no Brasil, é demasiadamente ampla, vaga e não cumpre o requisito básico de qualquer lei penal. Além de estar sujeita à interpretação subjetiva pela Justiça, ela ainda aborda crimes que já são tipificados pela lei penal brasileira. E o mais grave: dá margem para uma maior criminalização de manifestantes e movimentos sociais.
Essa aprovação requer uma reflexão cuidadosa sobre a aceitação de riscos de retrocesso do estado democrático de direito em nome de prevenir riscos de supostas ameaças terroristas, especialmente durante as Olimpíadas. A pressa na tramitação de legislação de tamanho impacto e a baixa discussão na sociedade sobre suas possíveis implicações são bastante preocupantes.
A ressalva de que visa a proteger movimentos sociais, sindicatos e manifestações não garante que a lei antiterrorismo não será usada contra esses grupos. Desde 2013, leis inadequadas ao contexto de protestos ( como a Lei de Segurança Nacional e a lei 12.850, sobre organizações criminosas) são usadas para tentar criminalizar manifestantes.
O argumento de que precisamos de uma legislação antiterrorismo não se sustenta, nem garante eficácia na prevenção de qualquer eventual ameaça política criminosa que porventura ameace o país. Terrorismo se combate com inteligência, cooperação internacional, enfrentamento das injustiças que minam a legitimidade de governos e alimentam fundamentalismo e intolerância. O marco legal brasileiro já é suficiente para lidar com os aspectos jurídicos desses desafios. Nossas necessidades são outras.
O país não está sozinho nessa insensatez. Essa é uma onda que vem crescendo nas democracias ocidentais desde os terríveis ataques às Torres Gêmeas do World Trade Center, em 2001, alimentada por uma cultura do medo. A arquitetura legal internacional vem sendo atacada, com violações sistemáticas de princípios estabelecidos em legislações internacionais e nacionais, prisões secretas, tortura, assassinatos seletivos e desaparecimentos forçados com o consentimento de governos que até então se apresentavam como defensores da democracia e dos direitos humanos. Essa reação equivocada tem resultado na repressão da sociedade civil, do direito à privacidade e da liberdade de expressão; e em um ataque aos direitos humanos, vistos por muitos como ameaça à segurança e aos valores nacionais.
O Brasil não deveria ceder à tentação das respostas fáceis e demagógicas, com o objetivo de responder a uma expectativa internacional cada vez mais contestada de endurecimento de legislações de exceção voltadas ao “combate ao terrorismo”. Especialmente diante de um contexto nacional em que os desafios na área de segurança pública se encontram em um nível trágico, com patamares de violência e homicídios batendo recordes mundiais, sem que o Estado seja capaz de oferecer uma resposta.
 Atila Roque é diretor executivo da Anistia Internacional Brasil