segunda-feira, 7 de julho de 2014

Inútil paisagem - PEDRO CUNHA E MENEZES


Para preservacionistas, visitantes são um mal, destroem a natureza e devem ser desestimulados a passear nas áreas dos parques que, por lei, foram designadas para esse fim

    Estamos na reta final da Copa do Mundo, aquela mesma para a qual foi prometido um legado. Na área da conservação ambiental, esse legado foi projetado para ser entregue em forma de uma melhor e mais abrangente estrutura de visitação. Não em todas as 313 unidades de conservação mantidas pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), responsável pelas áreas protegidas no âmbito federal, mas só no seleto grupo denominado de “Parques da Copa”.
    Os projetos não chegavam a ser exatamente ambiciosos. Eram realistas e visavam, sobretudo, a melhorias nas vias de acesso, nos centros de visitantes, nas trilhas e na sinalização. Nunca houve dinheiro do orçamento da União especificamente destinado à rubrica “Parques da Copa”, mas entidades como o Ministério do Turismo, o Sebrae e uma prefeitura de município lindeiro (vizinho) ao Parque Nacional de Aparados da Serra chegaram a se oferecer para aportar recursos com o intuito de fazer o projeto, ou algo similar a ele, avançar.
    Também houve um esforço, no próprio ICMBio, para aparelhar os parques com sistemas de trilhas sinalizadas e manejadas. Tal projeto, cujo custo é baixíssimo, poderia ser feito com recursos e pessoal próprios e deixaria algumas unidades com opções de recreação na natureza similares às de parques mundo afora. Entre outras iniciativas a custo baixo, estava projetada a abertura para passeios de bicicleta das estradas internas do Parque Nacional de Brasília, que, apesar de ter sido criado há mais de 50 anos, inexplicavelmente continua com cerca de 80% de sua área fechados à visitação.
    Agora na Copa e, descartadas as exceções que confirmam a regra, nada foi feito. “Governo incompetente!!!”, clamarão logo os críticos de plantão. Não se trata de incompetência deste governo. O problema não é de hoje nem começou na atual gestão. Suas causas são muitíssimo mais graves e vêm se mantendo há muito mais tempo. Trata-se de uma questão de competência de alguns técnicos da área da conservação, que têm se perpetuado há décadas em cargos de comando no ICMBio e nas instituições que o precederam na tarefa de (supostamente) cuidar de nossas unidades de conservação.
    Esse grupo, conhecido como preservacionista, não acredita em visitação aos Parques Nacionais como ela é feita no resto do mundo. Tem a convicção de que os visitantes são um mal, que destroem a natureza, e que devem ser desestimulados a passear nas áreas que, por lei, foram designadas com esse fim (segundo a legislação brasileira, Parque Nacional, “tem como objetivo básico a preservação de ecossistemas naturais de grande relevância ecológica e beleza cênica, possibilitando a realização de pesquisas científicas e o desenvolvimento de atividades de educação e interpretação ambiental, de recreação em contato com a natureza e de turismo ecológico”.
    Assim, ao longo das últimas décadas, valeram-se de um instrumento normativo, chamado Plano de Manejo e, por meio dele, têm subvertido os objetivos explicitados na lei. Ao utilizar uma ferramenta legal conhecida por zoneamento, têm subtraído o direito à visitação de parcelas expressivas de nossos parques nacionais, criando o que se convencionou chamar de “parques-fortaleza”. Como resultado, hoje temos nos 70 Parques Nacionais brasileiros uma malha de trilhas sinalizadas e manejadas que não chega a 300 quilômetros. Enquanto isso, nosso antecessor na organização de Copas, a África do Sul, tem num único parque de apenas 20 mil hectares (Parque Nacional da Montanha da Mesa) mais de 600 quilômetros de trilhas sinalizadas, com seis abrigos de montanha em funcionamento (mais que o Brasil inteiro).
    O resultado disso é que a visitação dos Parques Nacionais do Brasil é pífia para a quantidade de hectares que administramos. Enquanto o dogma dos “parques-fortaleza” continuar, não haverá recursos nem projeto capazes de transformar os parques brasileiros em destinos reais de ecoturismo. Como se diz no movimento montanhista brasileiro: “Quer fazer trilha acampando durante vários dias e noites? Mantenha seu passaporte em dia!”