quarta-feira, 2 de julho de 2014

A Copa vai bem. A economia, não - EDITORIAL CORREIO BRAZILIENSE

Os estádios transbordam de gente e de alegria. As comemorações rompem madrugadas. Torcedores de todos os cantos do mundo aprenderam rápido nosso jeito de compensar as deficiências com simpatia e bom humor. O futebol jogado é de boa qualidade e, mesmo na pior das partidas, proporciona emoção. Em resumo, a Copa do Mundo no Brasil é o sucesso que todos gostariam que fosse para sempre.
    Mas, no fundo, todos sabem que o reencontro com a realidade é inevitável. O que nem todos perceberam ainda, talvez por estarem envolvidos com a sequência dos jogos e com a torcida pelo hexacampeonato, é que o país até agora não deu sinais de que vai conseguir evitar que 2014 seja marcado por um dos piores desempenhos de sua economia dos últimos anos. Tão ruim que pode comprometer a manutenção do emprego e da renda das pessoas.
    Os indicadores dessa situação estão por toda parte. O próprio governo, quando libera alguma bondade, forçado pela gravidade de números setoriais e pressionado pelo calendário eleitoral, acaba desvelando mais uma ponta do problema maior: a economia vai mal, está praticamente estagnada e não esboça qualquer reação.
    É o caso da prorrogação da redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) dos móveis e dos automóveis, anunciada segunda-feira. Os incentivos fiscais ao consumo desses produtos terminariam ontem, mas vão continuar valendo até o fim do ano. Velho carro-chefe da indústria nacional, a automotiva vinha perdendo vendas desde o início do ano, seja por causa da pré-falência da Argentina, principal importadora dos nossos veículos, seja pelo esgotamento da capacidade de endividamento do consumidor brasileiro.
    Trata-se, portanto, do ocaso de duas apostas que já deveriam ter sido revistas há tempos e que, agora, ajudam a compor uma conjuntura preocupante. O anúncio da bondade tributária às montadoras ocorreu no mesmo dia em que o Banco Central divulgou mais um boletim com a média das previsões do mercado para a economia brasileira, com redução de 1,5% para 1,1% da taxa de expansão do PIB para este ano.
    No mesmo dia, o Banco Central divulgou o pior resultado das contas públicas do país em 13 anos: em vez de um indispensável superavit primário para pagamento dos juros da dívida pública, o que houve em maio foi um deficit de R$ 11 bilhões, puxado pelo mau desempenho do governo federal. Ou seja, a manutenção do incentivo fiscal ao consumo de móveis e automóveis, que vai representar R$ 1 bilhão a menos na arrecadação federal nos próximos meses, vem em má hora para o equilíbrio das contas públicas. Arrecadação que, aliás, teve queda de 5,9% em maio ante abril, provocada pela redução da atividade econômica em geral.
    Mesmo que o governo tire novos coelhos da cartola das mágicas para fechar as contas públicas, o que vai sobrar para a reflexão da torcida, na ressaca da Copa Mundo, é que conquistas como o controle da inflação e a inclusão de milhões de brasileiros no mercado de consumo somente serão mantidas com mudanças na gestão da economia. É esse compromisso, colocado de forma clara, que a sociedade precisa cobrar nas urnas de outubro.