terça-feira, 9 de abril de 2013

Sarney diz que ‘não está na hora’ de Eduardo Campos ser presidente e que apoia Dilma

  • Ex-presidente do Senado afirma que não tem mais energia para fazer campanha eleitoral e sua participação em 2014 será nos bastidores
BRASÍLIA - Prestes a completar 83 anos de idade e 58 anos de consecutivos mandatos, como deputado, governador, presidente da República ou senador, o ex-presidente do Senado José Sarney (PMDB-AP) diz estar se preparando para sair de cena. Em breve vai tirar uma licença de 120 dias no mandato de senador. Em entrevista ao GLOBO, o senador afirma, a despeito de constantes especulações a respeito, que sua idade não lhe permite mais participar de uma campanha eleitoral, já que considera não ter condições para “subir em trio elétrico”, nem cumprir um mandato de oito anos. A próxima campanha em que irá atuar será no âmbito da vida literária, para eleger o também ex-presidente Fernando Henrique Cardoso a uma vaga na Academia Brasileira de Letras (ABL).

    O senador considera que a presidente Dilma Rousseff está realizando um “excelente governo” e defende sua reeleição. Em relação ao potencial oponente do PT em 2014, o governador de Pernambuco, Eduardo Campos (PSB), Sarney defende que “não está na hora” de tentar ser presidente. Afirma que sua participação nas campanhas de 2014 deve ficar mais na parte da torcida e das articulações internas do que na presença efetiva em palanques.
— Não desejo mais concorrer à reeleição. Acho que a minha idade não me permite participar de uma campanha eleitoral e cumprir um mandato de oito anos. O criador tem suas limitações em relação a todos nós. Eu terminaria meu futuro mandato com 93 anos, o que seria impossível. Eu não sou tão exigente com ele, já fez tanta coisa por mim que não permite que eu queira que ele abra uma exceção. Apoiei Lula, estou apoiando a presidente Dilma e farei tudo para ajudá-la naquilo que for do meu alcance. Mas, não quero ter mais nenhum protagonismo político. Velho já é difícil subir em palanque, já não tem condições de subir em trio elétrico. Eu tenho passado, não tenho mais futuro — diz o senador.
    Após uma vida de atuação política ininterrupta, Sarney afirma que, se pudesse escolher, seus filhos não teriam entrado na política, que hoje considera uma “guerra de extermínio”. Em relação à filha Roseana Sarney (PMDB), governadora do Maranhão, ele diz que fará o que puder para ajudá-la em 2014 — sem subir em palanque —, mas que ela não precisa do pai e “caminha com as próprias pernas”.
— Se eu tivesse que escolher, eu não desejaria que eles (filhos) tivessem entrado na política. A política exige muito das pessoas, ela é muito cruel com cada um de nós. Transformaram a política numa guerra de extermínio. Todos os instrumentos são usados. Eu sempre achei que política é arte de harmonizar conflitos, sempre tive a visão das duas margens do rio. E a política, cada vez mais, se torna uma luta quase que desumana. Quando iniciei na política ela não era assim. Hoje, é outro ambiente.
    Em relação à próxima campanha em que irá participar, para eleger Fernando Henrique como mais novo integrante da ABL, Sarney declara abertamente seu voto e diz que há um clima favorável entre os colegas imortais para sua eleição. Nega que as decisões na academia sejam políticas e conta que, nos 34 anos em que a integra, nunca viu ser tratado algum problema político. E nem que política tenha influenciado qualquer decisão.
— Fernando Henrique é um escritor, um grande nome do país, eu vou votar nele, incentivei que ele participasse da eleição e vai ser uma grande contribuição para a ABL. Sinto um clima totalmente favorável à eleição dele. Getúlio Vargas foi membro da academia, eu estou na academia, tem uma tradição (de ex-presidentes)”.
    Em relação a seu sucessor na presidência do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), Sarney evita críticas diretas, mas deixa transparecer certo incômodo em relação às mudanças administrativas que está promovendo:
— Eu encontrei o Senado no século XIX, e entreguei no século da informação. Quando cheguei à presidência do Senado, se fazia ata escrita à mão, estava atrasada seis meses e entreguei com todo o sistema hoje que nós temos de divulgação da Casa, com tudo informatizado. Cada um imprime a sua personalidade no momento. Quando eu largo um cargo, eu não olho para trás, estou olhando o que faço para frente. O Renan é um homem muito experiente, muito capaz, já foi presidente, conhece o Senado muito bem e está imprimindo seu estilo. Eu, tendo sido presidente, serei o último a fazer qualquer julgamento.
Sarney irá tirar licença de 120 dias para finalizar a revisão do seu livro de memórias, que tem mais de 700 páginas, “sem polêmicas”, segundo conta. O senador pretende reduzir o tamanho do livro e está na fase que considera mais difícil, de cortar páginas. Mas, antes de se licenciar, quer finalizar no Senado a votação das mudanças no Fundo de Participação dos Estados (FPE), a discussão do ICMS e a dos royalties, que considera estar mais na esfera jurídica do que congressual atualmente. Afirma que, se sair antes disso, “ninguém perdoaria” que não estivesse presente para defender o ponto de vista do estado.
    Usando a faceta de escritor — que deverá prevalecer nos próximos tempos, afirma —, o ex-presidente faz uma crítica à qualidade da literatura brasileira atual. Diz que passa por um momento ruim e a compara ao período anterior ao Modernismo. Hoje, não há bons romancistas no Brasil, diz. E entende que isso tem a ver com o fato de o país não ter equacionado o problema da educação, que é um dos maiores gargalos até hoje.
— Acho que estamos passando uma fase difícil da literatura brasileira, realmente não é um bom momento. Na literatura brasileira, como nas artes, não surgiu um grande romancista, um grande pintor, um grande músico iconográfico como nós tínhamos. A humanidade vive de ciclos, temos os tempos áureos e os tempos difíceis. Até a semana da arte moderna (1922), também atravessamos um período ruim. Acho que o país tem alguns gargalos. Sobretudo, acho que não equacionamos o problema da educação no país. Isso faz parte da formação, também, de melhores romancistas.