sábado, 26 de janeiro de 2013

Índios 'alugam' terras para exploração ilegal de madeira

AGUIRRE TALENTO
DE BELÉM
FELIPE LUCHETE
DE SÃO PAULO
 
    Índios da Amazônia têm loteado e "alugado" terras para madeireiros desmatarem e retirarem madeira de forma ilegal --e a preços módicos.
    A Folha identificou casos em ao menos 15 áreas indígenas (no Amazonas, Pará, Maranhão, Mato Grosso e Rondônia), com base em investigações da Polícia Federal, Ministério Público e relatos de servidores da Funai (Fundação Nacional do Índio).
    Nas transações, madeireiros pagam R$ 15 pelo m³ da madeira, depois revendida por preços na casa dos R$ 1.000, de acordo com a PF.
    Além de pagamento em dinheiro, os índios também aceitam aparelhos eletrônicos, bebidas ou até mesmo prostitutas, conforme relatos de funcionários da Funai.
    A madeira ganha aspecto de legalidade pelo uso de planos de manejo aprovados legalmente para outras áreas. Chega assim ao mercado.
Luciano Silva/Divulgação/Ibama
Serraria ilegal flagrada no entorno da área de Anambé, no Pará, em 2011
Serraria ilegal flagrada no entorno da área de Anambé, no Pará, em 2011
    Fora da Amazônia, a prática é menos comum, por haver menos madeira disponível com interesse comercial.
    As terras indígenas representam 21,2% da Amazônia Legal. Dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais apontam que o desmatamento ainda não chegou a grandes proporções nessas áreas --atingiu até agora 1,29%.
    Além da madeira, também existem investigações sobre o envolvimento de índios na extração de minério.
SEM CONTROLE
    Na terra indígena Anambé, em Moju, no Pará (a 266 km de Belém), relatório da Funai diz que os índios, após alugarem parte do território a madeireiros, acabaram perdendo o controle sobre a área.
Tarso Sarraf/Folhapress
A índia Maria Anambé, que se diz contra o desmatamento ilegal da terra indígena
A índia Maria Anambé, que se diz contra o desmatamento
    O posto da fundação que ficava no local foi abandonado após um funcionário ter sido ameaçado por madeireiros. O local será reativado.
    Uma das índias afirmou à Folha que a maioria dos índios era contra o loteamento. "A gente tenta mostrar que o desmatamento não é bom para nós. Mas mesmo assim tem muitos que vendem [a madeira]. Dinheiro vicia a pessoa", disse Maria Anambé, 36.
    Relatórios de fiscalização apontam que a madeira do local é levada para Tailândia, polo madeireiro do sudeste do Pará e que foi alvo, em 2008, da Operação Arco de Fogo, do Ibama e da PF.
    Em Mato Grosso, a PF detectou o problema em 2007 no Parque Nacional do Xingu, uma das maiores áreas indígenas do mundo.
    A Justiça Federal chegou a bloquear bens de madeireiros. A decisão dizia que os índios "não só foram aliciados para facilitar a ação [...] como se tornaram agentes ativos e destacados na extração e comercialização de madeiras".
    Em Rondônia, o líder indígena Almir Suruí, da terra Sete de Setembro, diz que já informou a Funai sobre a conivência de moradores de algumas das 25 aldeias da área.
    "Eles falam que não podem mandar fiscalização porque tem índio envolvido. Se tem, para mim é bandido como quaisquer outros. Além de roubar o próprio povo, rouba um bem da União."
OUTRO LADO
    A Funai diz que está atuando "intensamente" no combate à extração ilegal de madeira em terras indígenas, com ações de fiscalização e de capacitação.
    O setor de monitoramento territorial da fundação afirma que, quando identifica a conivência de índios nesse tipo de atividade, desenvolve "alternativas econômicas sustentáveis" para que eles tenham outra fonte de renda.
    Entre essas ações estão o apoio à extração de castanha-do-pará e à produção de látex, por exemplo, além de auxílio em dinheiro.
    Se essas alternativas não têm efeito, afirma a coordenação, os casos são levados à PF e a outros órgãos de segurança pública.
REDUÇÃO
    Coordenadora do setor de monitoramento, Thaís Gonçalvez afirmou, por e-mail, que o desmatamento nessas terras vem caindo desde 2008, diferentemente dos índices de unidades de conservação e assentamentos.
    "Ou seja, nossos esforços ao longo dos anos de fiscalização e fomentos a atividades econômicas sustentáveis têm surtido efeito, apesar do baixo orçamento e de recursos humanos limitados."
    Em outubro do ano passado, a Funai em Brasília encaminhou às coordenações regionais uma espécie de cartilha orientando servidores sobre as penas previstas a quem extrai madeira ilegalmente.
Colaborou KÁTIA BRASIL, de Manaus
 
 
 
Prefeitura comandava retirada de madeira de terra indígena no MA
DE BELÉM
DE SÃO PAULO
    Um grupo armado controlava a entrada e saída de caminhões na terra indígena Alto Turiaçu, no norte do Maranhão. A extração de madeira era liberada, desde que madeireiros se cadastrassem e pagassem R$ 150 por viagem.
    O controle era feito pela Prefeitura de Maranhãozinho, segundo a Polícia Federal, que em dezembro indiciou o então prefeito e outras dez pessoas sob suspeita de participação no esquema.
    A PF diz que índios tinham conhecimento e participavam da atividade, mas nenhum foi identificado até o momento. Também havia policiais militares no grupo, de acordo com as investigações.
    A prefeitura chegava a dar um tíquete a madeireiros para permitir que entrassem na área, diz o delegado Alexandre Lucena, do grupo de combate ao crime organizado.
    Ele diz que a prática já estava "institucionalizada". Por dia, cerca de 20 caminhões entravam na área, onde vivem índios da etnia ka'apor, awá-guajá, tembé e timbira.
    O ex-prefeito Josimar Cunha Rodrigues (PR) nega qualquer controle de extração ilegal feito em sua  gestão.
    Diz que a PF confundiu-se com a fiscalização feita pela prefeitura sobre o tráfego de caminhões em estradas vicinais próximas à terra indígena.
    Neste ano, assumiu o prefeito José Auricélio Leandro, do mesmo partido de Rodrigues.