sexta-feira, 2 de novembro de 2012

Jornalismo que muda o mundo - MOISÉS NAÍM

O artigo do "New York Times" sobre corrupção na China não poderia ser escrito por um blogueiro    David Barboza, do "New York Times", publicou um artigo importante sobre a corrupção dos familiares do primeiro-ministro chinês, Wen Jiabao. A princípio, nada de novo.
Diariamente em algum país há escândalos que envolvem políticos, governantes e empresários. E dizer que há corrupção na China é revelar o óbvio. Mas este artigo e este escândalo são diferentes.
    Como falar de corrupção? Os escândalos sobre corrupção fazem muito barulho, mas com frequência não são bem documentados e não dão em nada. As denúncias sem consequências geram grande ceticismo no público e corrompem a luta contra a corrupção.
Não é o caso do artigo de Barboza, que fez um dos trabalhos jornalísticos mais bem documentados e mais rigorosos que conheço sobre o tema da corrupção nas elites.
    Ele se baseia em dados confirmados por múltiplas fontes, evidências irrefutáveis, complexas análises financeiras auditadas por contadores contratados para garantir a precisão do artigo, e um longo, árduo e evidentemente custoso trabalho de investigação jornalística.
    É óbvio que um só artigo não terá efeito definitivo na China. Mas é igualmente óbvio que os dirigentes, que até agora pensavam estar protegidos pelo sistema político, já sabem que agora não há garantia de invisibilidade da corrupção.
    O bom jornalismo vale muito... e custa muito. O grande artigo de Barboza não poderia ter sido escrito por um blogueiro, por ativistas nas redes sociais ou por uma organização de jornalismo que se limita a "agregar" -ou seja, reproduzir na rede- o conteúdo original de outros.
    O artigo precisou da independência, organização, recursos financeiros e elevados padrões profissionais do "New York Times". Tudo isso tem um custo alto. Mas é o que produz jornalismo com valor social.
    A internet e as tendências que hoje solapam a viabilidade dos grandes meios de comunicação têm muito de incontrolável. Mas artigos como o do "New York Times" ilustram de forma contundente quanto nos empobreceríamos se desaparecessem as organizações capazes de produzir informação objetiva.
    A Grande Muralha chinesa não protege mais. Na antiguidade, a Grande Muralha não impediu invasões mongóis ocasionais da China. Hoje, tampouco. A grande cibermuralha que o governo de Pequim erigiu para censurar os conteúdos que viajam pela internet não garante que os chineses não tomem conhecimento das revelações do artigo.
    O governo bloqueou os sites em inglês e em mandarim do jornal, assim como o acesso ao artigo através de redes sociais. Milhares de censores monitoram e bloqueiam a difusão dessa informação.
    Mas essa história já está em todos os meios de comunicação do mundo, na internet, em redes sociais e, eventualmente, na boca de muitos na China. Com certeza a censura fará com que centenas de milhões de chineses nunca saibam que a família de seu primeiro-ministro acumulou uma fortuna de US$ 2,7 bilhões. Mas vários milhões já o sabem. E, antes, isso não acontecia.
Da Folha